Hollywood fez a festa da transição

De um lado, medo do terror e da crise econômica; de outro, euforia por Obama e crença no glamour

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Por Ubiratan Brasil
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Menos festas e botox, mais aparatos de segurança - a 81.ª cerimônia de entrega do Oscar, que ocorreu ontem no Kodak Theatre, em Los Angeles, refletiu o momento de transição em que vivem hoje os Estados Unidos. De um lado, a crise econômica mundial, enfrentada pelo novo presidente, Barack Obama, que obrigou uma drástica redução nos investimentos na grande festa do cinema. De outro, o infindável medo do terrorismo, herança do governo Bush, que obrigou a polícia a utilizar um aparato nunca visto no tapete vermelho. E, em meio a tantos espinhos, estrelas do porte de Leonardo DiCaprio e Meryl Streep, com a missão de manter o inabalável glamour. Na cerimônia de ontem, em que a formalidade combateu a ostentação de anos passados, Hollywood mostrou ter apertado o cinto mas manteve o nariz empinado. "A situação é parecida com a grande crise econômica de 1929", disse o especialista em moda Michael O?Connor, em entrevista a uma emissora de TV de Los Angeles. "As pessoas procuram nos famosos uma imagem a imitar e Hollywood tem essa missão." É o que explica também, no seu entender, a aposta em vestidos que lembravam a estética dos anos 1950, baseada nas cores preta e branca. Se a crise atual não é tão acirrada como a recessão de 80 anos atrás, a precaução foi evidente - as estrelas desfilaram normalmente no tapete vermelho, descendo de enormes limusines com roupas de gala de grifes famosas e exibindo jóias caras. Todos sabiam, no entanto, que a noite não seria tão longa como nos bons tempos, pois as tradicionais festas pós-Oscar foram mais singelas e menos numerosas neste ano. A mais badalada de todas, por exemplo, a promovida pela revista Vanity Fair, que reúne a maior quantidade de estatuetas douradas recém conquistadas, sofreu uma ligeira modificação, transformando-se neste ano em um encontro "realmente íntimo" (sinônimo de redução de convites). Mas o que deixou boquiabertos os especialistas em fofoca foi um pequeno detalhe do comunicado divulgado pelos organizadores: admitir que seria reutilizada parte da decoração de anos passados. Foi o mesmo que anunciar o fim do mundo. Quem salvou a pátria foi Elton John, que não tirou uma pluma de sua tradicional festa beneficente, arrecadando cerca de US$ 3 milhões para instituições que cuidam de crianças aidéticas. O sinal amarelo, na verdade, estava aceso desde janeiro quando, depois da cerimônia do Globo de Ouro, apenas três festas de arromba foram realizadas naquela noite - habitualmente são, ao menos, dez. Outro indicador foi a redução dos investimentos dos estúdios no lobby por seus filmes. Basta o exemplo do longa mais indicado, O Curioso Caso de Benjamin Button: foram gastos cerca de US$ 10 milhões em sua promoção durante o processo de votação, quando a quantia nunca se posicionava abaixo dos US$ 15 milhões. Na guerra das cifras baixas, até a rede ABC, que transmite a cerimônia para os Estados Unidos e o resto do mundo, descobriu-se abandonada por velhos amigos. Como a General Motors, que, nos últimos dez anos, investiu US$ 105 milhões na transmissão da cerimônia e agora, afundada em uma crise terrível, retirou seu patrocínio. Foi acompanhada pela L?Oreal e pela marca de sabonete Dove. Os cartões American Express ficaram, mas garantiram apenas uma inserção comercial, segundo dados coletados pelo jornal Los Angeles Times. Com isso, a ABC foi obrigada não apenas a reduzir seus preços (do antigo US$ 1,7 milhão por inserção, bateu o martelo até para propostas de US$ 1,4 milhão) como também a quebrar uma regra, abrindo espaço para os estúdios anunciarem seus próximos lançamentos, o que antes não acontecia. Mesmo assim, a transmissão do show deve ter gerado US$ 68 milhões, cifra 16% menor que a do ano passado, que foi de US$ 81 milhões. Dessa forma, nunca o aceno de DiCaprio e o sorriso de Meryl foram tão importantes. Eles e os demais astros receberam a missão de manter Hollywood como a cidade dos sonhos em meio a bancos fechando e o desemprego aumentando. Tornaram-se tão importantes a ponto de a polícia de Los Angeles reforçar uma segurança que já era exemplar. Assim, além de vários quarteirões fechados ao redor do Kodak Theatre, do uso de helicópteros e de soldados armados no terraço dos edifícios ao redor (estratégia habitualmente utilizada), foi instalada ainda uma máquina, conhecida como Coral, própria para situações-limite. Com um design que lembra o simpático robô de Wall-E e capaz de detectar a variação térmica de qualquer pessoa ou objeto, ela é apta em descobrir a aproximação de qualquer homem-bomba ou portadores de explosivo plástico. Instalada no ponto de chegada das estrelas, a Coral permitiu que Hollywood, mesmo alquebrada, mantivesse sua integridade.

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