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Histórias que nossas babás não contavam

Fora, crianças: em Branca de Neve - Depois do Casamento, Picha vai além da psicanálise dos contos de fadas e propõe uma releitura erótica para adultos

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Há 33 anos, o belga Jean-Paul Picha virou o ?enfant terrible? da animação com um desenho sugestivamente chamado Tarzan, a Vergonha da Selva. Ao contrário das produções familiares da Disney, Picha propôs uma releitura cruel e lúbrica das aventuras do rei da selva criado pelo escritor Edgar Rice Burroughs, num tipo de desenho que deixou até os adultos mais devassos embaraçados. Tirem as crianças do cinema, pois Picha está de volta, agora com sua releitura de Branca de Neve. A animação tem um subtítulo - Depois do Casamento -, que aponta para o que interessa a Picha. Nada de ?...e viveram felizes para sempre?. Os verdadeiros problemas, incluindo o de ajuste sexual de Branca de Neve e seu príncipe na cama, começam quando termina o filme da Disney. Veja trailer de Branca de Neve Ao contar a ?verdadeira? história de Tarzan, Picha seguiu a via que o norte-americano Ralph Bakshi traçara com seu Fritz the Cat, em 1972. Oposto ao bonzinho Gato Félix, Fritz celebrava o slogan ?paz & amor? da geração hippie, envolvendo-se com drogas e praticando o sexo livre. No ano passado, no Festival do Rio, Picha veio mostrar o desenho que estréia hoje. E disse que não iniciou suas animações para adultos para chocar - bem, talvez um pouquinho....-, mas porque o mundo mudou muito (mudou mais ainda em relação a 1975, ano de Tarzan). Os contos de fadas já foram psicanalisados por Bruno Bettleheim, os costumes foram liberados nos anos 60 e 70 antes de experimentar a nova repressão de tempos de aidas, mas hoje há uma explosão da libido na internet. É chegado o momento, dizia Picha, de ver o que ocorre depois do casamento da Branca de Neve. Contemporâneo de Tarzan, a Vergonha da Selva, o cinema brasileiro, em plena era da pornochanchada, já contara, em 1979, uma história parecida, mas era live action. O público da sessão Como Era Gostoso o Nosso Cinema, do Canal Brasil, com certeza se lembra das Histórias Que Nossas Babás Não Contavam, de Oswaldo de Oliveira, com Adele Fátima - a representação suprema da mulata no imaginário do macho brasileiro - como a heroína Clara das Neves, assediada por sete anões priápricos. A contribuição brasileira, ainda mais irreverente do que a de Picha, consistia em fazer com que, no final, Clara das Neves desse uma banana para o príncipe, preferindo ficar com seus lúbricos ?baixinhos?. No Rio, Picha afirmou desconhecer o filme brasileiro, mas sua versão da história também é daquelas que nossas babás não contavam. A lua-de-mel de Branca de Neve e do príncipe é um desastre porque ele não apenas tenta seduzir a Bela Adormecida como se engraça com Cinderela. A própria Branca de Neve é assediada por um ogro (Shreck?) e tem de dar conta do furor dos sete anões. O sexo, enfim, corre solto e, como o clima, o desenho, propriamente dito, não tem nada a ver com o traço que Disney imprimia a suas animações. Branca de Neve assemelha-se mais a Olivia Palito, mas Picha não esclareceu se é fã de Popeye. Serviço Branca de Neve - Depois do Casamento (Blanche-Neige, La Suite, Bélgica/2007, 82 min.) - Animação. Dir. Picha. 16 anos. Cotação: Bom

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