História por meio de notas e sílabas

A maneira como canções ajudam a compreender o período em que são escritas é tema de artigo da BBC Music Magazine

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Por João Luiz Sampaio
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"Canção é a união de palavras e música, duas artes sob pressão emocional dando margem à criação de uma terceira. A relação e o equilíbrio entre as duas artes é um problema que precisa ser resolvido a cada canção composta." Foi essa a definição que o letrista americano Ira Gershwin encontrou na Enciclopédia Britânica quando resolveu buscar uma explicação teórica para o gênero. E ela não podia estar mais correta pois deixa entrever como, no final das contas, não há regra que paute a escrita de uma canção - e como é esse mistério que explica o fascínio exercido pelo gênero, escreve Hilary Finch em artigo na edição de maio da BBC Music Magazine. O texto discute a canção de arte inglesa e seu desaparecimento nos últimos anos dos palcos do país. O sumiço não é privilégio britânico. Nos Estados Unidos, Charles Ives, Samuel Barber ou Leonard Bernstein são figuras conhecidas, mas foi necessária a criação de uma fundação, a Hampsong, para criar um programa fixo e consistente de interpretação e gravação de suas canções (a ideia foi do barítono Thomas Hampson). No Brasil, país de formação musical diversa da norte-americana, problema semelhante, mas sem uma fundação preocupada com o tema, ou mesmo uma série de concertos dedicada ao gênero, que resiste na obstinação de um ou outro intérprete. No Brasil, porém, como nos EUA, o cancioneiro erudito é uma das facetas mais ricas da composição musical. Esqueçamos por um momento o século 19, quando o ideal romântico de nossos compositores bebeu à vontade na intensidade de miniaturas de autores como Schubert ou Schumann - também no século 20, do nacionalismo à vanguarda, de Villa-Lobos a Gilberto Mendes, a canção foi sempre referência. Por que tamanha atração? Ao escrever uma canção a partir de um poema, um compositor busca algo como sua "música interior", digamos, uma musicalidade que perpassa sua criação, em especial no ritmo da escrita. Ao transformá-lo em música, acrescendo ao ritmo melodia, timbre, harmonia, o compositor reinventa o texto ao mesmo tempo em que reforça seu significado. Tudo isso se dá de maneira sutil, nota a nota, sílaba a sílaba. Mais: interpretar uma canção é olhar de dentro a técnica musical e as possibilidades de expressão da voz e do diálogo entre o canto e o acompanhamento, seja ele qual for. Mas, se isso explica o fascínio, nos oferece também razão para a maneira como as canções se distanciaram dos hábitos de escuta do público, menos afeito a sutilezas. Há, no entanto, uma maneira de resolver a questão, escreve Finch: o selo NMC encomendou a cem compositores ingleses novas peças. E as lançou em uma caixa com quatro discos. Em resumo, a ideia é mostrar que a combinação entre texto e música não se esgota. E que, mais do que isso, ao longo das décadas, pode ser um caminho para compreender a evolução estética de escolas de composição de um país ou de um período histórico. Alguém precisa escrever uma canção sobre o assunto.

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