História de amor que faz o retrato de uma época

Escrita por Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, Mão na Luva, que ficou 18 anos esquecida, narra o fim de uma relação e tem como cenário a ditadura militar

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Por Livia Deodato
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Ele e ela se amam, sentem uma atração inexplicável, compartilham dos mesmos gostos (quando não, assentem pela paixão), dançam ao som de valsa a céu aberto e não se importam muito com o fato de estarem sendo observados. Nove anos se passaram e a separação parece inevitável - vão-se descortinando, no decorrer da conversa derradeira, pequenos deslizes, traições incompreensíveis, muita mágoa acumulada e, ainda assim, a vontade de salvar o que talvez já tenha naufragado há um bom tempo. Em meio a flash-backs, ele e ela apresentam uma história de amor que muitas pessoas próximas ao autor do texto juram ter sido inspirada em fatos reais. Mão na Luva, que estreia hoje no Viga Espaço Cênico, foi escrita por Oduvaldo Vianna Filho (1936-1974), o Vianinha, em 1966 e ficou esquecida (ou muito bem escondida) por 18 anos. Daí os indícios de que a peça contenha muitos detalhes do que fora vivido pelo próprio dramaturgo, em um período marcado - e muito bem ilustrado como pano de fundo no texto - pela ditadura militar. "Talvez não tenha sido uma única mulher a sua fonte de inspiração, mas a reunião de diversos relacionamentos que Vianinha teve e assistiu em sua juventude. Mais do que isso, ele fez um retrato social daquela época", diz Eduardo Tolentino, diretor do Grupo Tapa e supervisor artístico do espetáculo. A encenação de Mão na Luva teve início a partir de um exercício cênico realizado pelos atores Isabella Lemos e Marcelo Pacífico há cerca de um ano e meio, pouco tempo depois de integrarem o Núcleo de Estudos do Tapa. Na oficina, encantaram-se com o texto, que já foi trabalhado em 1984 por Marco Nanini e Juliana Carneiro da Cunha, sob direção de Aderbal Freire-Filho, e decidiram montar a primeira cena do espetáculo. Sem fazer uso de qualquer objeto, cenário, figurinos e trilha sonora, mas abusando de uma interpretação contundente e de boas sacadas para transitar entre o tempo e o espaço. "Tentamos de alguma forma juntar experiências próprias, com base na improvisação, experimentos com voz e imagem das palavras", conta Marcelo, de 33 anos, que começou no teatro aos 27 e ganhou destaque em Ricardo III, cujo papel principal era de Marco Ricca, e A Mandrágora, do próprio Tapa. Por sua vez, Isabella, de 29 anos, estudou dança por mais de quatro anos, com passagem pela American Academy de Nova York. Formou-se em 2000 no Teatro Escola Célia Helena e decidiu incorporar a dança ao seu trabalho de intérprete, que falou mais alto. A concepção de Mão na Luva foi toda feita pelo casal de atores, sendo apenas supervisionada pelo Tapa. "É o primeiro espetáculo que sai das oficinas existentes desde 1999 e coordenadas pelo Guilherme Sant?Anna e o Brian Penido Ross", conta Tolentino. "É uma realização inteiramente do Marcelo e da Isabella. O máximo que fiz foi criticar escolhas erradas", complementa. A limpeza de gestos, característica do Tapa, foi muito bem compreendida por esses dois jovens e talentosos atores, que são capazes de traduzi-la em uma abundância de sentimentos divergentes e tão comuns ao ser humano. Serviço Mão na Luva. 80 min. 14 anos. Viga Espaço Cênico (74 lug.). R. Capote Valente, 1.323, 3801-1843, metrô Sumaré. 3.ª a sáb., 21 h; dom., 19 h. R$ 10/R$ 30. Até 15/2

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