Guel Arraes atualiza saga de Odorico Paraguaçu

O Bem-Amado, texto de Dias Gomes adaptado pelo diretor e Cláudio Paiva, deve estrear em outubro, com Marco Nanini, José Wilker e Matheus Nachtergaele

PUBLICIDADE

Por Roberta Pennafort
Atualização:

Na antiga sala de aula do hoje desativado Colégio Sagrado Coração de Jesus, no Rio, o brasão de Sucupira, estampado num vitral, atesta: o espaço se transformou num dos cenários do filme O Bem-Amado. E não é qualquer cenário. Ali "funciona" o gabinete do prefeito Odorico Paraguaçu, no qual ele devaneia sobre a construção do cemitério da cidade, grita ordens ao secretário Dirceu Borboleta e arma suas falcatruas. As colunas gregas, os bustos e o lustre de cristal são signos da mania de grandeza e da cafonice divertida do "bem-amado". O texto original de Dias Gomes para o teatro (de 1962) foi adaptado por Guel Arraes, o diretor, e o roteirista Cláudio Paiva. No papel principal, outrora de Procópio Ferreira e de Paulo Gracindo, está Marco Nanini, que encarnou Odorico nos palcos por um ano e meio. No cinema, ele aparecerá menos coronel, e mais parecido com um político corrupto qualquer que poderia governar uma cidade brasileira, hoje. "Essa referência do coronelismo ficou muito antiga. O Odorico é um político pretensioso, ambicioso, narcisista e carismático. É um vilão cativante pela comédia. Os políticos bem-amados podem ser bons ou maus", diz Guel, filho de um político bem popular (Miguel Arraes, governador de Pernambuco por três vezes, que morreu em 2005). Matheus Nachtergaele promete um Dirceu Borboleta tão cativante quanto o de Emiliano Queiroz; Dorotéia (Zezé Polessa), Judicéia (Drica Moraes) e Dulcinéia (Andréa Beltrão), as irmãs Cajazeiras, foram modernizadas: não são mais tão beatas e têm personalidades bem demarcadas: a primeira é casta, a segunda é atirada (fuma e bebe) e a terceira é um meio-termo. José Wilker é o matador Zeca Diabo que tanto marcou Lima Duarte na versão televisiva; Bruno Garcia, o primo Ernesto, aquele que é levado a Sucupira doente, para lá morrer, mas sobrevive; Tonico Pereira, o opositor Wladmir, dono do jornal A Trombeta. As filmagens no Rio vão até o início de março. Começaram na semana passada, depois de a equipe ter passado duas semanas na pequena Marechal Deodoro (AL), a 40 quilômetros de Maceió, a Sucupira de Guel. A fachada simples de um sobrado (com gente morando!) foi "transformada" na suntuosa frente da prefeitura. O mercadinho virou cinema; o colégio, a sede d?A Trombeta. Foram filmadas passeatas a favor e contra Odorico, sua campanha para prefeito, comícios. Tudo sob calor de 40 graus. Dez por cento da população, encantada com a presença da trupe, se envolveu no filme - houve cenas com até 200 figurantes. No Rio, é tudo mais fácil: são apenas gravações internas (da prefeitura, da delegacia e da casa das Cajazeiras), no ar condicionado e só com o elenco. Na sexta-feira passada, quando o Estado visitou o set, Nanini e Matheus gravavam cenas em que se discutia a contratação de Zeca Diabo. Os dois atores já haviam trabalhado juntos em O Auto da Compadecida, também dirigido por Guel (e grande sucesso: foram 2 milhões de espectadores, mesmo tendo sido a série exibida anteriormente pela TV Globo). A sintonia é plena e o clima é leve - impossível não rir com os absurdos de Odorico, seus neologismos e lógica torta. Naturalmente, Nanini teve de mudar o tom que imprimiu ao personagem no teatro. "O texto é uma farsa, mas no cinema a farsa que a gente fez no teatro é muito over", diz. "A gente brinca que aqui parece um pouco A Praça da Alegria. Eu fico sentado e cada hora vem um ator fazer uma cena boa comigo." Matheus, na sexta-feira às voltas com o livro cheio de exemplares raros de borboletas nas mãos, tem várias. Ele segue o que ouviu certo dia de Guel. "Ele me disse: você não precisa dar tudo na cena inteira, você pode dar tudo em cada plano." Seu Dirceu é "mais trágico e menos cômico" do que o de Emiliano Queiroz, acredita. Mas ele rechaça comparações. "O dele é antológico." Ambientado nos anos 60 (para evitar comparações com a política atual) e produzido por Paula Lavigne (a mesma de Lisbela e o Prisioneiro, outro acerto de Guel no cinema, com a marca de 3,2 milhões de espectadores), o filme, que custa R$ 10 milhões, tem patrocínios da Petrobras, BNDES e governo do Estado de Alagoas, entre outras. A previsão é que entre em cartaz em outubro.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.