Gramado faz seu festival de tributos

Começa amanhã a competição de longas nacionais e latinos, que se complementa com uma série de artistas homenageados

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Gramado estende o tapete vermelho para mais um festival, o de número 37. Quem acompanha o evento de cinema na serra gaúcha sabe que, não faz muito tempo, o glamour do tapete vermelho parecia a própria razão de ser do Festival de Cinema Brasileiro e Latino, principalmente quando por ele circulavam os astros e estrelas globais. O charme continua, mas a nova curadoria de José Carlos Avellar e Sérgio Sanz tenta mudar esse perfil e há três anos Gramado procura ser outra coisa - uma ponta avançada do diálogo entre a produção brasileira e a latina, um ponto de encontro e discussão de quem faz e pensa o cinema no País. Os curadores e organizadores celebram com números a nova fase. Este ano foram apresentados 85 longas brasileiros à comissão de seleção, o que representa um aumento da oferta de 98% em relação ao ano passado. Nos longas latinos, o crescimento foi de 259% - 43 filmes foram submetidos à apreciação. São números impressionantes e, por isso mesmo, causa certo estranhamento que entre os longas brasileiros esteja Canção de Baal, obra experimental muito interessante (e exigente) de Helena Ignez, mas que já passou na TV aberta, integrando a programação do Canal Brasil (além de ter sido exibido no Festival do Rio do ano passado, há quase um ano). A seleção, de qualquer maneira, promete, apesar da repetição de títulos a que poucos festivais nacionais escapam. Na mostra latina, estará presente La Teta Asustada, de Claudia Llosa, do Peru, que venceu o Urso de Ouro no Festival de Berlim, em fevereiro, e, no mês passado, participou do Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo. Seis longas brasileiros e cinco latinos participam da competição pelo Kikito, estatueta que representa o deus sol, criada pela artista Elizabeth Rosenfeld no começo dos anos 70, quando Gramado transformou em festival o que começara como uma semana do cinema brasileiro. No começo dos 90, aproveitando a proximidade do Prata e também pressionado pelo fato de que o (des)governo Collor acabara com a produção nacional, Gramado abriu-se para a produção latina e ibero-americana, até como forma de continuar existindo. Virou um evento internacional e, desde então, competem os filmes brasileiros e latinos, avaliados por dois júris. O festival também presta homenagens e, este ano, o troféu Oscarito será atribuído a Reginaldo Faria. Ator de TV e cinema, Reginaldo participou de obras fundamentais do cinema do País, assinadas por seu irmão Roberto Farias. Cidade Ameaçada, Assalto ao Trem Pagador e Selva Trágica, dos anos 60, foram um bloco de notável coerência (e Selva Trágica é uma das obras-primas pouco conhecidas de nossa cinematografia). Os dois também fizeram Pra Frente Brasil, que venceu Gramado, uma obra polêmica por sua denúncia da ditadura militar. Mas Reginaldo Faria também é diretor, de comédias que fizeram história, como Os Paqueras, Pra Quem Fica, Tchau e Os Machões, e também do drama Barra Pesada, em que contou a história de Querô, adaptada de Plínio Marcos. Como ator, só como curiosidade, Reginaldo foi um dos protagonistas de Memórias Póstumas (de Brás Cubas, que André Klotzel adaptou de Machado de Assis e também venceu o Kikito principal. Outro prêmio importante, o Kikito de Cristal, será atribuído a Ruy Guerra, nome essencial do Cinema Novo (Os Cafajestes, Os Fuzis) e autor de uma obra consolidada que também já lhe valeu o Prêmio Multicultural Estadão, atribuído pelo jornal Estado. Homenagens não vão parar por aí. Dira Paes, por sua constância no cinema brasileiro, terá tributo no dia de abertura. Na quarta, o diretor Walter Lima Jr. leva o Troféu Eduardo Abelin de carreira. Na quinta, Xuxa Meneghel, gaúcha, será lembrada pelas autoridades da cidade de Gramado. Tudo pronto para a competição, vamos aos filmes. Os nacionais - Quase Um Tango abre a mostra, amanhã, e marca o retorno de Sérgio Silva a Gramado, onde já concorreu e foi premiado com Anahy de las Misiones. O novo filme dialoga com os códigos do melodrama e é interpretado por Marcos Palmeira e Viviane Pasmanter. Cildo, de Carlos Moura, é um documentário sobre o artista visual Cildo Meirelles. Em Teu Nome, de Paulo Nascimento, propõe a autocrítica da guerrilha urbana. Corumbiara, de Vincent Carelli, já premiado no Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade, em abril, documenta a operação de integração de posse de uma fazenda em Rondônia que virou massacre de sem-terra. Corpos Celestes, de Marcos Jorge e Fernando Severo, conta a história de um astrônomo, mas não é só isso, claro. Canção de Baal é o mais experimental dos filmes da competição. Helena Ignez, ícone do cinema brasileiro, já levou seu filme ao mercado de Cannes, em maio. Os longas latinos incluem dois premiados em Berlim - o peruano La Teta Asustada e o uruguaio Gigante, de Adrián Biniez, que confirma a regra. O Uruguai produz poucos filmes, mas eles, invariavelmente, são muito bons. Lluvias, da argentina Paula Hernandez, começa sob a chuva, com um engarrafamento, para contar a história de um casal. Outro argentino, La Proxima Estación, de Fernando Pino Solanas, conta a história de Ferrocarriles Argentinos desde o século 19 até a privatização. Em seu novo documentário, o diretor volta a criticar o modelo econômico da globalização. Nochebuena, de Maria Camila Loboguerrero, da Colômbia, usa um encontro familiar, na noite de Natal, para metaforizar o poder autofágico das oligarquias na América Latina. E existem os curtas, divididos em duas competições, brasileira e gaúcha. O festival vai começar. A expectativa é de muito frio. O calor, é o que se espera, estará nas sessões e debates.

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