Gisele

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Por Matthew Shirts
Atualização:

Senti uma fisgada de orgulho ao ver a Gisele Bündchen na capa da revista americana Vanity Fair este mês. É um sentimento irracional, reconheço. Não conheço Gisele, nem presto muita atenção ao planeta das supermodelos. Nada sei de moda. Zero. Minha comoção expressa apenas um nacionalismo curioso, um tanto ou quanto brega, diriam alguns, bem resumido na famosa música Mulher Brasileira em Primeiro Lugar. Sou grande fã e leitor de revistas, no entanto, e, entre elas, a Vanity Fair é das melhores e mais chiques. Voltava do almoço acompanhado de boa parte da redação - três ou quatro pessoas - da National Geographic Brasil, onde trabalho, quando vi a capa da garota. Comprei a revista no ato. E por isso paguei um preço alto em gozação. Como a Vanity Fair é uma publicação estrangeira, talvez seja importante explicar que não se trata apenas de uma revista de celebridades e moda. Traz, é verdade, fotos produzidíssimas, glamour hollywoodiano, e fofoca, mas ao lado de reportagens sérias e discussões sofisticadas de economia, política e história. Juro. Escreve para a revista o prêmio Nobel Joseph E. Stiglitz, por exemplo, um dos mais lúcidos economistas do mundo, tal como William Langewiesche, que considero dos melhores repórteres em atividade. Tentei explicar aos colegas que me interessava, na edição, sobretudo, o "relatório verde" sobre o legado ambiental de Teddy Roosevelt e o que Barack Obama pode apreender com as políticas desse seu antecessor ilustre. É um debate relevante à National Geographic que sou obrigado a acompanhar, por motivos profissionais. Mas ninguém queria ouvir minhas justificativas. Não me pouparam de comentários irônicos que atribuíam minha curiosidade tão-somente às fotos da Gisele despida. Achei a gozação divertida, confesso. Diria até que, de um modo geral, a gozação é uma das características mais simpáticas da cultura brasileira. Nos seus melhores momentos transmite um carinho que reconhece traços da personalidade de cada um. Mas depois, em casa, ao folhear a Vanity Fair achei curiosa a combinação de anúncios de joias e roupas do mais alto luxo, fotos de celebridades e modelos e fofocas, com artigos dedicados a assuntos tão sérios como os conflitos do mundo árabe e a história do ambientalismo. E me ocorreu que essa é uma das chaves do sucesso da cultura sofisticada de grande público nos Estados Unidos. Foi uma epifania. A Vanity Fair faz os intelectuais se sentirem chiques e os chiques se sentirem intelectuais. Mas ela não é a única publicação americana a combinar elementos destoantes. A New Yorker, por exemplo, pontua seus textos longos e densos com uma produção imensa de cartuns hilários. A National Geographic cobre ciência e história com a melhor fotografia do mundo. Esse talento não é restrito ao mundo das revistas. Hollywood faz algo semelhante nos seus melhores momentos. Para ficar apenas nos últimos dois filmes que vi. O magnífico Gran Torino, de Clint Eastwood, por exemplo, discute a violência urbana e o racismo, indo ao âmago da sociedade americana por intermédio de uma historinha comovente. Milk recupera um momento trágico e importante do passado recente com uma narrativa comum. Uma vez realizada a epifania, pude voltar à revista. Concluí que Teddy Roosevelt foi ainda mais importante do que pensava.

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