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Galpão faz Romeu e Julieta para inglês ver

Grupo mineiro lança DVD da tragédia de Shakespeare e coleção com dez textos

Por Beth Néspoli
Atualização:

É um presente de Natal e tanto! E vale para amigos ou parentes de qualquer idade e gosto. Absolutamente encantador é o documentário da apresentação no Globe Theatre, de Londres, em 2000, do espetáculo Romeu e Julieta, do grupo mineiro Galpão. A montagem tem concepção e direção de Gabriel Villela; já a direção do documentário Romeu & Julieta no Globe Theatre ou Shakespeare para Inglês Ver é de Paulo José. O registro dessa temporada no palco de Shakespeare, o teatro elisabetano de 1599, por si só já teria grande importância como documento histórico, mas o resultado é de surpreendente qualidade, atraente, bom de se ver e ouvir. Não há perda da força poética e, sobretudo, de humor nessa transposição que contraria radicalmente a teoria - tantas vezes comprovada - de que teatro filmado perde a vibração. Numa outra iniciativa, o Galpão dá também ao seu público a oportunidade de ler o texto dessa adaptação que mescla a poesia de Shakespeare à prosódia sertaneja. Graças ao apoio da Petrobrás, o grupo comemora seus 25 anos lançando, além do documentário em DVD, uma coleção de livros de inestimável valor - Espetáculos do Galpão. São nada menos que os textos de dez montagens importantes na trajetória da companhia, em volumes ilustrados com fotos e depoimentos sobre o processo de criação. Tanto o DVD (R$ 30) quanto os livros, que têm em torno de 90 páginas e custam R$ 15 cada um, podem ser adquiridos em qualquer região do País por meio dos sites www.grupogalpao.com.br ou www.autenticaeditora.com.br ou ainda pelo telefone 0800-2831-322. Evidentemente que a publicação de textos teatrais é prática valiosa para pesquisadores, artistas e estudantes de teatro. Mas mesmo o espectador pode ter interesse em, dessa forma, revisitar as montagens. É um prazer, por exemplo, relembrar, por meio da leitura das letras, as ''''músicas de missa'''' cantadas em A Rua da Amargura, adaptação do ator Arildo de Barros para o texto O Mártir do Calvário, de Eduardo Garrido, drama circense sobre o nascimento e a paixão de Cristo, também dirigido por Gabriel Villela. E mais. Cada livro traz narrativas atraentes sobre os percalços do processo de criação. Chico Pelúcio e Luis Alberto de Abreu assinam os textos de apresentação do volume que traz a peça Um Trem Chamado Desejo, que tem texto de Abreu e músicas de Tim Rescala. ''''Estávamos a aproximadamente dez dias da estréia quando toda a equipe de criação se reuniu em BH para ver um ensaio corrido. A sensação geral não foi das melhores.'''' Autor e ator narram a dificuldade de dar unidade à uma criação feita a muitas mãos. A narrativa surpreende não só por se tratar de espetáculo premiado, sucesso de público, mas sobretudo pela temática, as agruras de uma trupe teatral, muito próxima da realidade do grupo. Tudo indicava ter sido criação fácil. Ledo engano. Da mesma forma, artigos do dramaturgo Cacá Brandão e do ator Eduardo Moreira para Um Molière Imaginário narram as dificuldades iniciais na trajetória de um dos espetáculos mais be- sucedidos do grupo, cuja estréia desastrosa, no Festival de Curitiba, provocou uma avalanche de críticas negativas. O leitor interessado pode ainda conferir os textos de Partido, dirigido por Cacá Carvalho, e Um Homem É um Homem, uma das direções de Paulo José com esse grupo, formado apenas por atores, que convidam diferentes diretores para com eles trabalhar. A coleção traz também a mais recente criação do Galpão, Pequenos Milagres, e, publicação ainda mais rara, textos de espetáculos de rua, encenados nos primeiros anos de atividade: A Comédia da Esposa Muda (Que Falava mais Que Pobre na Chuva), criação coletiva; Foi por Amor, de Eduardo Moreira e Antônio Edson, e Corra Enquanto É Tempo, de Eid Ribeiro. Já Shakespeare para Inglês Ver, o documentário, começa pelo fim, ou seja, as primeiras imagens são do público deixando o Globe com os atores, que saem pela platéia. Os sorrisos, o brilho nos olhos, as tentativas de acompanhar a canção ''''flor, minha flor'''' em português arrevesado, tudo dá o tom da empatia alcançada pelo Galpão, que comemora seus 25 anos de existência com a rara proeza de manter coeso um núcleo de 13 atores, atuando fora do chamado eixo Rio-São Paulo. O que o público acompanha, basicamente, é a apresentação do espetáculo, filmado no palco de diferentes ângulos. Sem dúvida, a comoção do público, que ora chora, ora ri, captada o tempo todo pela câmera, contribui muito para que não se perca na sempre difícil transposição da linguagem do palco para o audiovisual. Mas o que prende a atenção é mesmo a qualidade dessa encenação original, a um só tempo ousada e singela. Eduardo Moreira é um Romeu que toca sanfona sobre pernas-de-pau e sua Julieta, vivida por Fernanda Viana, sai de seu palácio - uma veraneio - e dança modinha caipira na ponta das sapatilhas. De óculos escuros, Frei Lourenço toca sax na criação de Chico Pelúcio, Teuda Bara é certamente uma das amas mais divertidas que já subiram ao palco, com seus circenses e fartos peitos de pano pendurados sobre a blusa, e Rodolfo Vaz não faz por menos ao encarnar um Mercúrio moleque. No papel de narrador, que também toca flauta, Antônio Edson parece mesmo um ''''pequeno Shakespeare'''' na definição bem-humorada do diretor do Globe, que discursa ao fim da apresentação e elogia a encenação como ''''muito próxima do que se imagina terem sido as realizadas por Shakespeare em seu tempo, sobre aquele mesmo palco''''. Bem... A diferença é que agora a gente pode rever.

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