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Fotojornalista Walter Firmo tem veia documental revelada em mostra

Mostra de imagens no IMS permite observar a construção de uma linguagem visual própria, colorida, às vezes até teatralizada

Foto do author Ubiratan Brasil
Por Ubiratan Brasil
Atualização:

Era 1967 e o então jovem repórter Muniz Sodré (hoje renomado sociólogo) entrevistava o maestro Pixinguinha, enquanto o fotógrafo Walter Firmo buscava o local ideal para fazer a imagem. Nada era atraente, apenas uma frondosa mangueira no quintal. Firmo propôs, então, que o músico se sentasse em sua cadeira de balanço ao lado da árvore, segurando seu saxofone. “Sentei para mostrar a posição correta, mas ele, que vestia um pijama, me tirou rapidinho dali. ‘Sei como fazer’, dizia”, relembra o sorridente fotógrafo, cujo registro se tornou histórico. A imagem é um dos destaques da exposição Walter Firmo: No Verbo do Silêncio a Síntese do Grito, que será aberta no sábado, 30, no Instituto Moreira Salles de São Paulo. Com entrada gratuita, a mostra é uma rara oportunidade para se (re)ver 266 fotografias que registraram e celebraram principalmente o povo e a cultura negra do País. “É a primeira retrospectiva da minha carreira”, conta Firmo ao Estadão. “Na verdade, nunca me interessei, pois pode parecer que não trabalho mais, o que não é verdade porque agora estou registrando a natureza com a câmera de celular.”

O Pixinguinha (Alfredo da Rocha Vianna Filho), fotografado por Walter Filho no Rio de Janeiro, em 1967. Foto: Walter Firmo/IMS

Aos 84 anos, Firmo estabelece uma nova etapa em sua longa carreira, iniciada em 1954 como fotorrepórter do jornal Última Hora, momento em que estabeleceu uma estética da notícia e não se limitava ao simples registro dos fatos – muitas de suas imagens em preto e branco evocam a dureza da realidade, mas embalada por uma indisfarçável beleza. É o caso da matéria 100 Dias na Amazônia de Ninguém, publicada em 1964 quando Firmo já estava no Jornal do Brasil e que lhe garantiu o Prêmio Esso. A reportagem, cujo texto também é seu, foi fruto da visita a cidades e povoações ribeirinhas do Amazonas e do Solimões, onde documentou paisagens, disputas políticas e a população, que incluía alguns de seus familiares. Foi nessa época que Firmo, já trabalhando em revistas como Manchete e Realidade, iniciou seus experimentos com a cor, ensaiando um diálogo com a pintura e o cinema. “Minha obra colorida reflete uma amorosidade, algo que vem do coração, enquanto as imagens em preto e branco são mais cerebrais: menos delírio e mais cautela, sempre filtradas pelo pensamento”, explica.

Hoje com de 84 anos, Walter Firmo mostra seu trabalho fotográfico a partir de sábado, 30, na sede paulistana do IMS. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Fruto dessa alquimia são fotos marcantes de artistas, especialmente da música, como Caetano, Gil, Chico Buarque, Paulinho da Viola, Cartola, Clementina de Jesus. Também figuras proeminentes como Madame Satã e Bispo do Rosário, além de anônimos descobertos em suas viagens. Em todos, Firmo coloca os negros em uma atitude de referência. “Sempre quis colocá-los como honrados, totens, como homens que trabalham, que existem. Eles ajudaram a construir esse país para chegar onde chegou.”

O músico Cartola foi retratado por firmo e se tornou um registro icônico Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Nesse trabalho, Firmo constrói uma poética que, no entender do curador da mostra, Sérgio Burgi, se aproxima da teatralização elaborada por meio de imagens construídas, dirigidas e até encenadas. “Questionar a própria fotografia como verossimilhança ou mera mimese do real”, explica. Em nova fase, Firmo se aventura a registrar a natureza com seu celular. “Já disse o que precisava sobre as pessoas. Agora me interessam objetos como troncos.” 

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