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Florence fez no palco o que fazemos no chuveiro

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Por João Luiz Sampaio
Atualização:

Florence Foster Jenkins virou um fenômeno. Discos como Murder of the High C?s, algo como O Assassinato dos Dós de Peito, viraram cult entre os fãs de ópera. É curioso. Quando nos deparamos com a interpretação de grandes árias do repertório, existe aquela ansiedade para ver como o cantor vai se sair, acompanhamos nota a nota seu desempenho. Com Florence, não há dúvida - estará tudo errado, sempre. É engraçado, divertido. Mas o que temos mesmo é inveja. No fundo, no fundo, todo fã de ópera gostaria de pisar num palco e soltar a voz sem dó nem piedade. O que Florence fez, na vida real, foi recriar aquilo que fazemos diariamente... no cenário fantasioso do chuveiro. Sua trajetória foi bem documentada em discos. Tentar encontrar uma coerência de interpretações não faria muito sentido. A afinação nunca correta, uma percepção rítmica própria, linhas de canto entrecortadas pela respiração - o que significa basicamente uma ausência completa de técnica. Mas uma coisa é certa. Ela realmente acreditava no que fazia. Ouça quantas vezes quiser a ária da Rainha da Noite, de A Flauta Mágica, de Mozart, especialidade de Florence. Tá tudo errado, mas havia em seu canto um prazer digno de quem de fato amava a música. Mas Florence não foi a única. Há um disco, The Muse Surmounted: Florence Foster Jenkins and Eleven of Her Rivals, que reúne gravações de outras artistas tão ruins quanto ela. Da lista, destaca-se uma tal de Natália de Andrade, portuguesa que não apenas se dedicava ao grande repertório como era poeta e compunha, sobre seus versos, canções constrangedoras, de temática normalmente bucólica - O Nosso Amor É Verde, por exemplo, virou hit no YouTube. No ano passado, foi lançado um DVD chamado Opera Fanatic, em que um tenor de voz sofrível, um certo Stefan Zucker, viaja o mundo entrevistando grandes cantores de ópera, oferecendo, inclusive, alguns palpites sobre seus trabalhos. Só mesmo no mundo da ópera.

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