PUBLICIDADE

Fim de ano

Por Marcelo Rubens Paiva
Atualização:

Fim de ano. Todos se estressam. Até pinheiros pequenos, arrancados do seu hábitat natural, para conviver com nossas neuroses familiares. Levarão choques e serão espetados por enfeites. O trânsito da cidade fica caótico. As lojas e shoppings, lotados. Aeroportos, rodoviárias, consultórios, cartomantes e astrólogos, idem. Na tevê, especiais de fim de ano entediam, pois apregoam um otimismo em que nem Guido Mantega bota muita fé. Os apresentadores, com gorros natalinos na cabeça, entrevistam celebridades com gorros na cabeça, que apresentam bandas com gorros na cabeça, acompanhadas por dançarinas em trajes sensuais natalinos. Além das retrospectivas e especiais de Natal, há uma enxurrada de filmes bíblicos, cujo final todos conhecem. As crianças entraram em férias, mas ainda não viajaram. Devem passar o Natal com os avós. Só agora, os pais também em férias descobrem como elas cresceram, dão trabalho, pedem coisas como se estivessem na pista de um aeroporto e são tão delicadas quanto o caminhão que recolhe caçambas da rua. Só há um momento em que o mundo de uma criança pára de girar. Ela se aquieta diante do presente que ganha. Se concentra no embrulho. Pensa, como Hércules diante do Mar Egeu, em como abrir o pacote: Zeus, onde ele se fecha, estão os lacres, os laços? Ela reflete em como destruir aquela embalagem. Enfim, depois da ajuda do avô, aberta a caixa, continuam os instantes de paz, contemplações, indagações, até ela perguntar aos berros: "Tem pilha?" Há quanto tempo a viagem de réveillon está planejada? Você começa a pagar as parcelas do pacote turístico depois que termina de pagar as parcelas do pacote do ano anterior? Acumula? Costuma viajar no contrafluxo, para economizar, como carnaval em Brasília, inverno em Búzios, réveillon na Serra Gaúcha, verão em Bariloche? No trabalho, o grito "estou em férias" só será dado depois da festa da firma e do amigo secreto da repartição. Dois eventos que afloram variações de pequenas neuroses: 1. Você tem certeza de que não gostará do presente que ganhará. Nunca gostou dos que recebeu nos anos anteriores, por que agora seria diferente? Desta vez, antes de abrir o sorteio do amigo secreto, você será sincero e dirá: ''Agirei como um jornalista iraquiano, se alguém me der meias.'' 2. Você tira o boy. Se você decidir dar uma bebida, terá o mesmo custo e benefício que o vinho que você daria se tivesse tirado o chefe? 3. Se você tirar a musa do setor, dará uma roupa justa, que realce as formas dela, ou um vestido de cantora gospel, para mostrar quanto aquela sensualidade toda desconcentra o departamento? 4. E se você tirar o nome de alguém de quem nunca ouviu falar? Perguntará ao colega de baia, correndo o risco de dar um fora que repercutirá por todo o ano seguinte, ou dará um presente idôneo, como uma bonita caneta? 5. Se o presente que você deu para o seu amigo oculto é muito, mas muito mais barato do que o que você recebeu do mesmo, abrirá a carteira, durante a cerimônia de troca, e dirá ''ainda tem 200 pratas que vai com o presente''? 6. Você ganhou uma camisa florida do seu chefe, apesar de usar camisas sem estampas desde o berço. Você irá trocá-la o mais rápido possível, para aproveitar e usar uma nova na viagem à Serra Gaúcha? Ou começa a procurar outro emprego, já que desconfia que é uma mensagem de que suas férias durarão mais do que 30 dias? 7. E se, numa coincidência infeliz, você encontra o chefe na loja, enquanto realiza a troca, dirá que, na verdade, compra uma outra parecida, de tanto que gostou? Amigo oculto. Presentear é uma das atividades mais tensas em ambientes de trabalho. Se você der uma cafeteira ao colega, ele perguntará se você sugere que ele seja sonado. Se você der uma chaleira, perguntará se por acaso você o acha muito elétrico, afobado. Se der uma bebida, perguntará se você quer o seu cargo e vê-lo preso na próxima blitz do bafômetro. Se der para a secretária, ela perguntará se você quer embebedá-la, para tirar proveito da sua notória fraqueza diante do álcool. Se você der óculos escuros, poderá ouvir a pergunta: ''Tenho olheiras?'' Se der um lenço: "Tenho papo"? Se der uma agenda, o colega pode achar que você sugere que ele não se lembra dos compromissos. Se der um relógio, que ele chega atrasado. É para evitarmos mal-entendidos que se produz o mais neutro de todos os mimos de fim de ano: o último disco do Roberto Carlos. Tomei um susto ao ver um carro cor-de-rosa estacionado na porta do meu prédio. Na lataria, estava escrito Chana Service. Ao lado, um número de telefone. Tirei fotos. Intrigado, mandei para os amigos, para provar como a emancipação feminina evolui. Até me informarem que Chana é a marca de utilitários chineses que chegou ao Brasil. Alguém poderia ensinar algumas expressões de duplo sentido para os fabricantes de automóveis orientais. Senão, daqui a pouco, são capazes de lançar por aqui o jipe xoxota. O promotor José Carlos de Freitas quer acabar com o "elitismo" da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), que "age conforme interesses de grupos pequenos". Pretende barrar na Justiça a construção de um bulevar boêmio na Vila Madalena. O projeto prevê a reforma de ruas, o alargamento de calçadas e a mudança no fluxo do trânsito de duas ruas movimentadas. A maior parte da obra de R$ 3 milhões é paga pela AmBev, que monopoliza o chope da região. Segundo a promotoria, não houve qualquer estudo de impacto no trânsito. Assim é São Paulo. Alargar calçadas para pedestres, cadeirantes, bicicletas, com guias rebaixadas e piso para deficientes visuais, enterrar cabos de luz e telefone, arborizar uma região de turismo e lazer? Onde já se viu? Atrapalha os carros. Entro em férias em janeiro. Não irei à Serra Gaúcha. E não uso camisas floridas, caso queira me enviar um presente. Tamanho? GG. Boas festas, querido leitor.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.