Filmes ampliam espaço surrealista de Alice

De todas as versões, a mais maluca é a animação do checo Jan Svankmajer, seguida pela leitura felliniana de Jonathan Miller

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Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

A caixa com as quatro adaptações cinematográficas de Alice no País das Maravilhas lançada pelo selo Magnus Opus (três discos, R$ 120) é uma relíquia que reúne desde a primeira versão filmada do livro de Lewis Carroll, em 1903, por Cecil M. Hepworth, até a adaptação musical dirigida por William Sterling em 1972, passando pela felliniana versão do inglês Jonathan Miller, lançada em 1966, e a surrealista animação (com bonecos e uma Alice real) realizada há 20 anos pelo desenhista checo Jan Svankmajer. A última é uma adaptação lisérgica e, obviamente, nada tem a ver com a comportada versão de Walt Disney de 1951. Contudo, a mais intrigante é a de Jonathan Miller com música de Ravi Shankar. Feita para a televisão inglesa, ela ficou 40 anos no limbo até que a BBC decidiu recuperá-la. O DVD com a versão restaurada traz ainda a versão muda, cujo estado de deterioração é evidente, mas compreensível para um filme histórico com 105 anos de idade. O que torna o outro filme, o de Miller, perturbador não é tanto o diálogo algo insólito, na trilha sonora, entre a cítara de Ravi Shankar e um oboé - até mesmo porque o músico indiano mostra-se reverente demais com a tradição clássica ocidental. É, principalmente, o clima onírico que lembra muito o de Julieta dos Espíritos de Fellini. A atriz Anne-Marie Mallik parece ter saído diretamente de um filme do italiano para um parque de diversões dirigido por Beckett, em que as distorções não são apenas visuais. Embora extremamente fiel ao original de Carroll, o diretor preserva cautelosa distância do espectador, levando-o a um estado de sonolência com as mudanças bruscas de ritmo sugeridas pelo fio tênue que separa a vida real de Alice de seu sonho à beira do lago. Alice aproxima-se da tela como se estivesse numa peça de Brecht, sem demonstrar muita surpresa diante dos bizarros seres que vão desfilando diante de seus olhos. Já a versão musical de William Sterling é um pouco decepcionante. As músicas de John Barry e as letras do parceiro Don Black não funcionam e o elenco parece tão deslocado quanto Alice na casa da Duquesa. Se Jonathan Miller lida magistralmente com a mudança brusca de lugares por onde passa Alice, evitando carregar nos efeitos especiais, Sterling está mais para Disney em sua fantasia cromática. Ele explora a experiência e o talento do fotógrafo Geoffrey Unsworth (autor das imagens de 2001 - Uma Odisséia no Espaço), mas é tímido ao dirigir atores como Michael Crawford (o Coelho Branco) e a estrela Fiona Fullerton (Alice). De qualquer modo, valeu a restauração. Desde seu lançamento, em 1973, o filme havia desaparecido de circulação.

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