FilmeFobia vence o festival da crise

Nem documentário, nem ficção, a obra de Kiko Goifman leva o prêmio principal, mas diretor sai vaiado pelo público

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
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No festival da crise, ganhou FilmeFobia, de Kiko Goifman, que recolheu seu prêmio debaixo de vaias. Contestada desde o início, a seleção de longas-metragens deste ano, com quatro documentários e duas ficções semidocumentais, produziu insatisfação geral. No público, que não compareceu com o arrebatamento de anos anteriores e vaiou o vencedor. No júri, que se queixou de falta de material para realizar seu trabalho. E na crítica, que cogitou não entregar seu prêmio por falta de um concorrente que realmente merecesse recomendação. É um festival a ser repensado, e a noite morna, com apupos no final, apenas expressa esse mal-estar generalizado. FilmeFobia, segundo seu mentor, o grande ensaísta Jean-Claude Bernardet, não é nem documentário nem ficção, mas uma terceira "coisa", ainda a ser definida. No filme, Bernardet faz o papel de um cineasta chamado Jean-Claude. Por essa "interpretação", Bernardet levou o inusitado troféu de melhor ator. Além desses dois candangos, FilmeFobia ficou ainda com os prêmios de montagem, direção de arte, e o troféu da crítica. À Margem do Lixo, terceiro vértice da tetralogia de Evaldo Mocarzel sobre os desvalidos da sociedade brasileira, não tem do que se queixar. Ganhou o prêmio especial do júri, fotografia e também o júri popular. E, de quebra, foi muito aplaudido pelo indócil público do Cine Brasília. Tudo Isto Parece um Sonho levou as estatuetas de roteiro e direção (Geraldo Sarno). Siri-Ará, de Rosemberg Cariry, ganhou o prêmio de ator coadjuvante (Everaldo Pontes) e seu elenco feminino foi contemplado em conjunto. Ñande Guarani, de André Luis da Cunha, recebeu o prêmio de melhor som, e O Milagre de Santa Luzia, o de trilha sonora. Ninguém saiu de mãos abanando. Mas nem mesmo o distributivismo do júri pôde contentar a todos. Geraldo Sarno, por exemplo, nem foi receber seu troféu de melhor diretor. Em conversa com o Estado, alegou que preferira ficar no hotel pois não gostava de se expor a essas emoções depois de ter sofrido dois enfartes. A atriz cearense Majô de Castro, de Siri-Ará, se disse frustrada pelo prêmio coletivo atribuído ao elenco, mas, de certa forma, deu razão ao júri. "A Sandra Corveloni (NR: membro do júri, atriz de ?Linha de Passe?, premiada com a Palma de Ouro em Cannes) me disse que não tinha como premiar uma atriz em particular porque não havia como comparar elencos." Crítica justa, pois a seleção dos competidores em longa, documentais em sua maioria, dificultou o trabalho do júri em avaliar determinadas categorias, em especial as de ator e atriz, principal e coadjuvante. O próprio diretor de Siri-Ará, Rosemberg Cariry, se disse ainda perplexo com o resultado. "Preciso tomar um pouco de distância para analisar melhor esse festival, que foi diferente de todos os anteriores", disse ao Estado na manhã seguinte à premiação. A crítica de Sandra Corveloni não foi a única que o próprio júri dirigiu à estrutura do festival. Vladimir Carvalho, documentarista famoso ele próprio, queixou-se de que o excesso de documentários não concedeu ao júri material para que este pudesse trabalhar a contento. Outro jurado, que prefere ficar no anonimato, declarou que "todos os filmes eram ruins". Um terceiro membro do júri, Carlos Reichenbach, discorda, em parte: "Havia pelo menos dois filmes estimulantes, FilmeFobia e Tudo Isto me Parece um Sonho; eles apontam novos caminhos para o documentário que, em seus moldes tradicionais, anda muito chato." Mas, se você insistir com Reichenbach e perguntar se ele achou a seleção boa, a resposta será: "Foi a seleção possível." Toda essa insatisfação - do público, do júri e da crítica - é sintoma de crise, impossível de ser ignorado. Outro dado expressivo: o jornal Correio Braziliense, que atribui um prêmio especial, o Saruê, este ano, em decisão inédita, destinou-o a um longa que não participava da mostra principal - Se Nada Mais Der Certo, de José Eduardo Belmonte. O filme já havia participado - e vencido - a Première Brasil, no Festival do Rio. Estava, assim, impedido, pelo regulamento, de participar da competitiva principal em Brasília. No entanto, o prêmio do Correio significa o seguinte: inédito ou não, o longa de Belmonte era o melhor de todos os que passaram pela tela do Cine Brasília. Tudo somado fica a impressão de que o Festival de Brasília, o mais tradicional do País, fundado em 1965 por Paulo Emilio Salles Gomes, terá de encarar algumas reformas caso deseje manter sua importância no calendário nacional. Há o consenso de que deve manter sua fórmula enxuta - apenas um longa e dois curtas por noite, para que não caia na dispersão e no gigantismo de outros eventos do gênero. Mas talvez tenha de garimpar concorrentes ao longo do ano sem esperar que eles venham a se inscrever para o festival. Ir aos filmes e não esperar que os filmes venham a Brasília. Talvez incrementar a parte reflexiva - tornar os seminários atraentes e incontornáveis, convocando os grandes nomes da reflexão cinematográfica nacional. Da maneira como estão, os seminários parecem muito burocráticos, quando não dispensáveis. Mas há também o consenso entre observadores experientes de que não se pode permitir que a fase de crise jogue o festival na mão de aventureiros. Um dos momentos mais importantes da cerimônia de premiação veio com o manifesto da ABCV (Associação Brasiliense de Cinema e Vídeo), lido no palco pelo ator Murilo Grossi. No texto, os profissionais de cinema de Brasília defendem a permanência do diretor Fernando Adolfo no comando do festival, pois entendem que ele é o mantenedor da linha autoral do evento. E alertam para tentativas de "terceirização" do festival, que já se insinuam. Como é grande o potencial de público do Festival de Brasília, um fenômeno cultural da cidade, muita gente está de olho gordo e parece tentada a lucrar com ele. E, como diz o cineasta Carlos Reichenbach: "Brasília é o único festival do País no qual a grande atração são os filmes e não as estrelas da TV." Isso tem de ser preservado. Mas, para que se preserve, é preciso que muita coisa mude, como dizia, em outro contexto, aquele personagem de Tomasi di Lampedusa, imortalizado por Luchino Visconti em O Leopardo. Premiados LONGAS EM 35 MM MELHOR FILME: FilmeFobia PRÊMIO ESPECIAL DO JÚRI: À Margem do Lixo DIRETOR: Geraldo Sarno, por Tudo Isto me Parece um Sonho ROTEIRO: Geraldo Sarno e Werner Salles por Tudo Isso me Parece um Sonho ATRIZ: elenco feminino de Siri-Ará ATOR: Jean-Claude Bernardet (FilmeFobia) ATOR COADJUVANTE: Everaldo Pontes (Siri-Ará) FOTOGRAFIA: Gustavo Abda e André Lavenère (À Margem do Lixo) MONTAGEM: Vânia Debs (FilmeFobia) TRILHA SONORA: O Milagre de Santa Luzia SOM: Fernando Cavalcanti (Ñande Guarani) JÚRI POPULAR: À Margem do Lixo PRÊMIO DA CRÍTICA: FilmeFobia CURTAS EM 35 MM MELHOR FILME: Superbarroco DIREÇÃO: Thiago Mendonça (Minimi em Close-Up) ATOR: Hilton Cobra (Cães) ATRIZ: Ana Lucia Torres (Na Madrugada) ROTEIRO: Clarissa Cardoso (Ana Beatriz) FOTOGRAFIA: Pedro Semanovischi (Cães) MONTAGEM: Ivan Morales Jr. (A Arquitetura do Corpo) JÚRI POPULAR: Brasília (Título Provisório), de J. Procópio PRÊMIO DA CRÍTICA: Cães CURTA EM 16 MM FILME: Cidade do Tesouro MOSTRA BRASÍLIA MELHOR LONGA 35 MM: Se Nada mais Der Certo, de José Eduardo Belmonte CURTA 35 MM: A Saga das Candangas Invisíveis, de Denise Caputo CURTA 16 MM: A Menina Espantalho, de Cássio Pereira dos Santos

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