Filme retrata uma relação delicada

Do Começo ao Fim, que Aluízio Abranches concluiu na semana passada, mostra o relacionamento entre dois irmãos

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Por Ubiratan Brasil
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O clima de tranqüilidade dentro da casa contrasta com a tempestade que cai lá fora. O mundo desabando em raios e trovões parece não incomodar o diretor Aluízio Abranches que, naquela tarde de outubro, observa os atores Julia Lemmertz, Louise Cardoso e Fábio Assunção se acomodarem em uma mesa de jantar. Juntos, também os garotos Gabriel Kaufmann e Lucas Cotrim, que vivem os pivôs de Do Começo ao Fim, novo longa de Abranches cujas filmagens terminaram na semana passada, depois de locações no Rio e em Buenos Aires. A cena, acompanhada pelo Estado, retrata um trivial almoço em família, em que a forte presença da mãe (Julia Lemmertz) já prepara o espectador para o tipo de relacionamento pouco usual que vai marcar a convivência entre os dois irmãos (Gabriel e Lucas). "Fiquei quatro anos cuidando dessa história, tomando todas as precauções para que nenhum detalhe se transformasse em um exagero", conta o cineasta, autor de obras como Um Copo de Cólera e As Três Marias. Tamanho cuidado, de fato, é bem vindo - Do Começo ao Fim trata de um tema delicado. Gabriel e Lucas interpretam Thomás e Francisco, dois garotos que têm a mesma mãe, Julieta (Julia, atriz com presença constante nos filmes de Abranches), mas pais distintos. Juntos, os irmãos desenvolvem um carinho muito particular que logo se transforma em amor. O relacionamento diferenciado, aliás, é revelado de uma forma delicada - Thomás nasce com os olhos fechados e assim permanece durante várias semanas. "Mas a mãe não se preocupa", conta Abranches, autor do roteiro. "Para ela, quando quiser, Thomás abrirá os olhos. É assim, nos primeiros dias de vida, que ele aprende o que é livre-arbítrio." E, quando decide finalmente descobrir o mundo que o cerca, Thomás abre os olhos e mira direto em Francisco, seu irmão de 6 anos. A naturalidade com que se desenvolve o relacionamento entre os dois irmãos é permitida graças à presença de Julieta, que se transforma no eixo do filme. Abranches costuma descrevê-la com uma mulher com outra materialidade. "Sua personalidade se encaixa bem em uma frase de Bernard Shaw, que dizia: ?Algumas pessoas olham para o mundo e perguntam ?por quê?? Eu penso em coisas que nunca existiram e me questiono ?por que não??." O mesmo clima de tranqüilidade é transmitido pelo elenco que, segundo o diretor, compreendeu o espírito da história. A ponto de se tornar rotineiro o fato de, a cada dia de filmagem, os atores contribuírem com sugestões, seja um acréscimo no diálogo ou algum gesto logo incorporado na história. "Eles entenderam que o filme não é uma fábula, mas o retrato de uma família que incorpora uma novidade." A preparação para a filmagem, no entanto, não foi fácil. Abranches conta que, logo depois do primeiro dia de trabalho, passou quase duas horas conversando com seu analista. "Eu precisava me sentir plenamente seguro em conduzir a história, pois só assim teria a certeza de lidar bem com a trama." O cineasta determinou o terceiro dia de filmagem como um marco - se terminasse bem, o restante fluiria tranqüilamente. Iniciada em 20 de setembro, a produção de Do Começo ao Fim seguiu conforme o previsto. "Foi realmente essencial o elenco entender a paixão daqueles meninos sem preconceito, como algo que acontece entre dois rapazes de bem com a vida", comenta Julia Lemmertz, intrigada com o roteiro na primeira leitura. "Aos poucos, percebi que o filme não ostenta um sentimento de culpa, mas também não deixa de apresentá-lo." As cenas que poderão provocar mais polêmica mostram os irmãos já adolescentes, interpretados por Rafael Cardoso (Thomás) e João Gabriel Vasconcellos (Francisco). Com a desinibição de dois amantes, eles trocam carinhos e beijos, consumindo uma paixão. As imagens foram assistidas pelo ator Marco Nanini que, ao lado de Fernando Libonati, comanda a Pequena Central, produtora do filme. Trata-se da primeira investida cinematográfica da dupla, habituada a trabalhar junto no teatro. "Buscamos produções pequenas mas que acrescentem, que encontrem um lugar destacado em meio aos filmes em exibição", conta Libonati, revelando ainda um investimento de R$ 800 mil. Um dinheiro bem empregado, segundo Nanini. "Vi as primeiras imagens rodadas por Aluízio e fiquei satisfeito: são fortes, mas recheadas de carinho", avaliou. Uma aposta que confirma tanto a essência libertária da Pequena Central como o talento de Abranches para cuidar de temas delicados .

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