''Eu tenho saudade de São Paulo''

Caetano conta que o título zii e zie vem desse sentimento pela cidade paulistana

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Por Roberta Pennafort
Atualização:

Morador do Rio há mais de 40 anos, Caetano Veloso volta a falar da cidade em zii e zie. Na bonita Lapa, reverencia a região boêmia que "renasce" desde os anos 90, a qual ele frequenta e define como "Pelourinho vezes Rio". A Barra, a Gávea e o Arpoador aparecem em Sem Cais (parceria com Pedro Sá), um dos pontos altos do CD; o Cristo Redentor, em Lobão Tem Razão, através da qual o compositor responde à frase do roqueiro provocador sobre ele: "Chega de Verdade". O bairro inspirador de Falso Leblon está na capa do CD - uma imagem melancólica da praia, possivelmente ao anoitecer. A singela Menina da Ria, referência à laguna portuguesa do município de Aveiro, surge 30 anos depois de Menino do Rio. É a única faixa que ainda não havia sido apresentada em público. Diferentemente, que menciona Madonna, Osama Bin Laden e Condoleezza Rice, por outro lado, ele já tocava no show de A Foreign Sound, em meio aos standards norte-americanos do CD. O título em italiano vem de uma saudade grande de São Paulo. Era na cidade, mais especificamente no Studio SP, espaço "alternativo", que ele queria lançar zii e zie. Mas "questões da produção" acabaram fazendo com que os shows começassem pelo Rio, no tradicional Canecão - "a casa de show real do Brasil", como está no blog. Quem tinha ido conferir a obra em progresso agora vai ver novidades, garante. "Serão shows diferentes, porque os arranjos das canções ainda estavam amadurecendo." Ele acha "primária" a observação feita por um crítico durante a temporada, de que, sem as guitarras, as músicas dariam um disco de bossa nova. "Se você tirar as guitarras dos Beatles, do Nirvana, também dá... Isso você faz com qualquer coisa. O João Gilberto cantando Me Chama, do Lobão, é uma obra-prima da história da bossa nova." Aos 66 anos, Caetano sente que está ficando velho - precisa de óculos, o cabelo está "quase mais branco do que preto", o gosto por parar e ouvir música já não é mais aquele. Mas a forma vocal vai bem, e ele canta em falsete sem medo. Ele adorou ser dono de um blog, mas o abandonou ontem, já que seu objetivo primeiro era tratar do CD agora lançado. Virtualmente, conheceu pessoas interessantes, se afeiçoou a elas, as convidou para o camarim das apresentações. Muitos foram os que se surpreenderam com a disposição de um artista de seu peso para discutir, responder, explicar intenções. Muitas foram as declarações de fãs: "Se os posts de Caetano virarem um libreto, a história agradece", escreveu um internauta no último sábado. Fã do Radiohead (ficou encantado com o show da banda), ele acha viável um artista brasileiro disponibilizar um álbum para download na internet, como foi feito com In Rainbows (baixado por ele de graça e depois comprado na loja). Quer se informar mais sobre como lidar com a questão. No mais: ainda tem vontade de gravar uma antologia de axé music; poderá vir a lançar o DVD a partir dos shows de 2008, que não deverá "brigar" com um possível de zii e zie, no entanto; ainda não leu Leite Derramado, o novo livro de Chico Buarque, mas quer muito fazê-lo. Ao contrário de Chico, continua achando curtição dar entrevistas. A ressalva: "Em geral, não gosto de as ler depois." "Acordo é fraco" Em meio à finalização de zii e zie, Caetano ainda não tinha prestado atenção no acordo ortográfico da língua portuguesa, em vigor desde janeiro. Recentemente, parou para lê-lo. "Achei fraco. É bom que haja o desejo de se fazer uma unificação da língua portuguesa escrita no mundo, em princípio, porque pode significar seu fortalecimento", diz o autor de Língua. "O acordo propriamente me deixou muito insatisfeito. Tem muita coisa que é facultativa e não justifica a existência do acordo. Eu posso escrever, mas não estou acostumado e nem sempre acho que é bom." Ele se refere, por exemplo, ao desaparecimento dos acentos diferenciais em palavras como "pára" (verbo), em contraposição a "para" (preposição). Outro problema, para o compositor (e escritor), foi que a reforma não tratou de diferenças do português daqui e de Portugal como as grafias distintas de "por que" (junto, separado, com circunflexo) e de palavras como "caminhão" - lá, "camião".

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