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Estilista desmonta a figura masculina

Com O Herói Desmascarado, Mário Queiroz inaugura o segmento de obras acadêmicas do setor fashion nacional

Por Tarcisio D?Almeida
Atualização:

A imagem de moda masculina serve como um passaporte para esquadrinharmos os anseios de consumo estético, mas também mercadológico, do homem deste tempo de transição secular. Dentro desse princípio, o jornalista e estilista Mário Queiroz une a tríade que justifica sua atuação no cenário brasileiro, isto é, a experiência como estilista do segmento de moda masculina, que ganha reforço do olhar de um pesquisador acadêmico, ao realizar uma pesquisa para o Programa de pós-graduação em Comunicação e Semiótica da PUC-SP sobre a imagem de fotografia de moda voltada para homens. Para isso, selecionou a publicação inglesa Arena Homme Plus, em especial os editoriais de moda, como objeto de estudo. Queiroz exerce papel crucial na tradução do estilista em pesquisador, com linguagem de fôlego acadêmico e, ao mesmo tempo, fluidez na leitura do texto. O resultado da pesquisa, defendida no ano passado, aparece para os leitores em formato de livro. Com prefácio assinado por Norval Baitello Júnior, que orientou o autor, O Herói Desmascarado: A Imagem do Homem na Moda (Editora Estação das Letras e Cores, 151 páginas, R$ 35), lançado na semana passada, surge para suprir uma carência da literatura de trabalhos sobre o assunto no mercado nacional. Este é um dos méritos centrais na obra de Queiroz; o outro lhe é atribuído pelo fato de ser o primeiro estilista no Brasil, com constante atuação no mercado e também no ensino de moda, a realizar uma pesquisa de mestrado; no caso, em comunicação e semiótica. No "mondo fashion", apenas a italiana Miuccia Prada realizou o mesmo, defendendo, em 1978, sua tese de doutorado em ciência política, além de ser ex-militante do Partido Comunista italiano. Dividido nos capítulos Heróis, A Imagem nas Revistas de Moda Masculina e Entre Deuses e Monstros, o livro relaciona as conexões contemporâneas entre imagens de moda masculina produzidas entre o fim do século 20 e início do 21 e como essas exercem influência no imaginário coletivo dos homens, na idealização e construção de ideais imagéticos via editoriais de moda da Arena Homme Plus. Os heróis aparecem duplamente na carreira de Queiroz, seja como tema de sua pesquisa de mestrado, como também no desenvolvimento do processo criativo que culminou nas coleções inverno 2008 e 2009, ambas desfiladas na São Paulo Fashion e no Dragão Fashion Brasil, em Fortaleza. O autor faz um breve resgate histórico, desde a transição de imagens de moda dos croquis para a fotografia de moda, mas o foco central da análise debruça-se sobretudo na década de 1990, quando fica clara a vasta produção de editoriais de moda destinados aos homens em revistas de moda masculina especializadas - o que as diferenciam de revistas masculinas. Por isso mesmo, é importante para o autor entender a "imagem de poder do homem, sua relação com o divino e com seus instintos" na construção de homens heróis. "O espaço de moda nas revistas masculinas nos ajuda a enumerar os arquétipos que giram em torno da imagem do homem: o trabalhador, o progenitor, o soldado, o bandido, aquele que manda, seja o poderoso, seja o que menos manda em sua mulher", escreve Queiroz. Com a modernidade do século 20, a imprensa e fotografia de moda adquiriram novas configurações, distintas e mais variadas em relação a essa mesma imprensa em épocas passadas. Além dos relatos de costumes e de indumentárias de séculos anteriores, o jornalismo e a fotografia de moda transitaram das gravuras de moda, dos croquis e dos relatos de roupas e costumes presentes na literatura para as coberturas da moda como espetáculos e, além dessas dos editorias de moda. "E quando falamos do espaço na mídia dedicado à moda masculina, a questão é ainda mais delicada, uma vez que velhas ideias existem como muralhas, impedindo a presença das novidades", alerta Queiroz sobre a necessidade de se discutir moda masculina e desmascarar a masculinidade. E essa reflexão se amplia ainda mais quando pensamos na atualidade do século passado. "Quando falamos que o homem do século 20 não assumiu a moda como fez a mulher, estamos falando da novidade da moda, da diferenciação semestral e dos elementos que trazem mais do que sobriedade", explica o autor. O que justifica, de certa forma, uma vivência de uma experiência aliada às dinâmicas frementes e efêmeras da moda na contemporaneidade. E no esforço de entender como as construções e proposições de imagens de moda masculina são concebidas via editoriais, para influenciar os homens não de forma literal mas sim subjetivamente, Queiroz optou por uma publicação inglesa, a Arena Homme Plus, em seu estudo, em detrimento da italiana Vogue Uomo ou mesmo da francesa Vogue Hommes. "Essa revolução na imagem de moda teve início principalmente em Londres, que ainda hoje se caracteriza pelo mix cultural, que torna possível as experimentações proporcionando novas imagens de moda", justifica o estilista. Claro que existem algumas lacunas de autores e obras indispensáveis nas referências da obra de Queiroz sobre o tema, mas que não comprometem a qualidade do trabalho. O estudo histórico The Hidden Consumer: Masculinities, Fashion and City Life 1860- 1914 (Manchester University Press, 1999), de Christopher Breward; a coletânea de ensaios de autores variados Material Man: Masculinity, Sexuality, Style (Harry N. Abrams, 2000), editado por Giannino Malossi; o clássico A Imagem, de Jacques Aumont (Papirus, 1993); além da edição especial Masculinidades da revista acadêmica de moda Fashion Theory são algumas dessas obras que poderiam endossar ainda mais a tão esperada, pertinente e coerente reflexão presente em O Herói Desmascarado. Tarcisio D?Almeida é doutorando em Filosofia pela USP; professor dos cursos de moda da Universidade Anhembi Morumbi; pesquisador associado do Groupe d''Études Sur la Mode, da Université de Paris V, Sorbonne; e conselheiro editorial da revista acadêmica de moda Dobra

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