Estátua de Rodin vai de túmulo familiar para o leilão

Descendentes da mãe enlutada que Rodin retratou removeram a escultura alegando que precisavam protegê-la de roubo

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Por Eve M. Kahn
Atualização:

Uma poderosa estátua de bronze de Auguste Rodin – uma menina moribunda embalada por sua mãe – que passou quase um século em cima de um pedestal dentro de um cemitério em Middleburg, Virgínia, agora estará à venda na casa de leilões Freeman, na Filadélfia, no dia 22 de fevereiro.

Descendentes da mãe enlutada que Rodin retratou – Elizabeth Musgrave Croswell Merrill, filantropa e mecenas das artes – removeram a escultura alegando que precisavam protegê-la de roubo. Embora em alguns cemitérios as famílias tenham permissão para remover as marcas de seus próprios ancestrais, os estudiosos qualificam a mudança da estátua de Rodin como rara na história dos cemitérios americanos. E, apontam eles, muitas esculturas importantes retiradas de cemitérios foram para espaços públicos, não para venda privada.

A escultura 'Mother and Her Dying Daughter', de Auguste Rodin, instalada em um cemitério em Middleburg, na Virgínia (EUA) Foto: Lauren Joseph/Washingtonian

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Virginia Jenkins, descendente de Merrill, disse numa breve entrevista por telefone que a escultura estava ficando muito conhecida e vulnerável a roubos. (Entre seus muitos fãs ao longo dos anos se encontra Jane Fonda, que postou uma foto da estátua no seu blog em 2013). A família manterá uma réplica idêntica da obra de Rodin, disse ela. Ela e outros parentes não responderam aos telefonemas e e-mails solicitando mais comentários.

Dennis Montagna, presidente da Associação para Estudos de Lápides, disse que remover um raro exemplo de arte da sepultura para obter lucro “vai contra a intenção original” da geração da família Merrill que encomendara e importara a estátua de Rodin. Um cemitério “não se destina a ser uma exibição temporária”, nem um salão de vendas ao ar livre, disse ele.

Elizabeth Merrill, que morreu em 1928, aos 74 anos, herdou várias fortunas familiares e sobreviveu a parentes próximos com vidas tragicamente curtas. Em 1887, ela deu à luz sua filha, Sally, poucas semanas após a morte repentina do marido, Charles Croswell, um ex-governador de Michigan. Seu enteado, também chamado Charles Croswell, teve uma overdose fatal de morfina em 1891. Em 1904, Sally morreu, supostamente por causa de complicações de diabetes. Elizabeth e seu segundo marido, o magnata madeireiro Thomas Merrill, encomendaram o monumento a Rodin em 1908. Conhecida por vários nomes ao longo dos anos, como “Mãe e sua filha moribunda”, a estátua ficou inacabada quando Rodin morreu em 1917. Redemoinhos de pedra bruta quase engolfam as duas figuras, como se estivessem agarradas em meio a mares tempestuosos.

A família acabou conseguindo autorização para fazer duas peças póstumas fundidas em bronze, uma destinada ao cemitério e a outra para ficar dentro de casa. A versão original em mármore continua no Musée Rodin em Paris. O museu também possui bustos de membros da família Merrill feitos por Rodin, e a National Gallery of Art de Washington tem uma escultura de uma criança em mármore que foi doada por descendentes de Merrill.

Jérôme Le Blay, especialista em Rodin que mora e trabalha em Paris, disse que discordava da decisão da família de remover o monumento de bronze de Middleburg. “Mas o que podemos fazer, a não ser dizer que não estamos felizes com isso?”. Ele disse que o mercado internacional para uma lápide antiga talvez seja limitado; em algumas culturas, disse ele, considera-se que artefatos de tumbas “dão azar”.

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Le Blay observou que quase todas as esculturas de Rodin em cemitérios europeus estão bem preservadas como arte pública. Laure de Margerie, diretora do Censo de Esculturas da França, um banco de dados abrangente sobre esculturas francesas anteriores a 1960 hoje presentes em coleções públicas norte-americanas, disse que não existe nenhuma outra obra de Rodin em cemitérios americanos. A única peça comparável ao túmulo dos Merrill nos Estados Unidos é uma réplica de A Sombra, de Rodin, no Woodruff Arts Center de Atlanta, que abriga o High Museum of Art, inaugurado em homenagem aos cidadãos locais mortos em um acidente de avião em Paris em 1962.

Raphaël Chatroux, especialista da Freeman’s, quando informado das reações dos estudiosos ao futuro leilão, respondeu que os membros da equipe “certamente entendem a singularidade da situação e, portanto, vêm procedendo com o máximo cuidado e sensibilidade para não incomodar ninguém”. A escultura, cujo valor estimado está entre US $ 250 mil a US $ 400 mil, “não tinha seguro e não estava nem mesmo fixada à base” em Middleburg, disse ele, acrescentando que a Freeman’s está “esperando um interesse institucional” na venda.

Ele observou que outras esculturas de cemitérios importantes foram removidas por motivos de segurança nos últimos anos.

Mas os especialistas apontam que, quando as principais obras de arte do cemitério são removidas para sua própria proteção, elas geralmente vão para espaços públicos sem fins lucrativos, e não para leilões. Um vitral feito pelo estúdio de Louis Comfort Tiffany que mostra uma colunata cheia de videiras foi transferida para o Flint Institute of Arts, em Michigan, porque o cemitério onde estava vinha sofrendo roubos e vandalismo. próximo que sofreu vandalismo e roubo. A escultura Bird Girl, de Sylvia Shaw Judson, foi transferida para a Telfair Academy em Savannah, Geórgia, pois vinha atraindo multidões de turistas no cemitério Bonaventure.

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Não está claro, porém, se o roubo e o vandalismo estão piorando nos cemitérios americanos. Não há registro de nenhuma estatística oficial, e danos e perdas muitas vezes passam anos despercebidos nos cantos remotos dos cemitérios. O que é certo é que se trata de “um problema antigo e persistente”, disse Sharon Flescher, diretora executiva da International Foundation for Art Research. Christopher Marinello, CEO da Art Recovery International, especializada na recuperação de arte roubada, lembrou um aviso inscrito numa antiga lápide romana: “Qualquer um que defecar ou violar esta tumba será amaldiçoado com cegueira”.

A maioria dos muitos especialistas entrevistados para este artigo concordavam numa questão central: mesmo que os descendentes de Merrill agissem com previdência para proteger as obras de Rodin de roubo ou algo pior no interior da Virgínia, a ideia de vende-las é, na melhor das hipóteses, antipática. “Parece muito, muito ruim”, disse Michael Trinkley, especialista em preservação de cemitérios na Carolina do Sul. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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