''Essa ressaca vai passar''

Cético com o Itamarati e com os EUA, Pedro de Camargo Neto avisa: o setor da cana foi pego no contrapé, mas sai dessa

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Por Sonia Racy
Atualização:

No ano passado, Pedro de Camargo Neto conduziu o que ele mesmo chama de "o maior e o melhor negócio" do setor sucroalcooleiro na recente história do Brasil - a venda da usina Vale do Rosário à Santa Elisa. Acionista da primeira ao lado de mais 100 primos, ele aproveitou o momento de euforia dos carros a álcool e de dinheiro sobrando na praça e escapou dos rigores da crise que se abateu sobre o planeta. "Vejo com tristeza o aperto pelo qual o setor está passando", diz hoje o ex-proprietário, consultor e presidente da Abipecs, associação dos produtores de carne suína. Líder rural experiente, que já comandou a Sociedade Rural Brasileira e, no final do governo FHC, foi brigar pelos interesses agrícolas em fóruns internacionais como secretário do Ministério da Agricultura, ele pondera: "O setor tem grande futuro. Essa ressaca vai passar." Nesta conversa com a coluna, Camargo Neto se queixa dos "vinte anos de equívocos" cometidos pelo governo no trato das dívidas dos ruralistas, e deixa uma advertência: "Não adianta resolver o passado sem preparar o futuro." O que as usinas brasileiras de álcool têm que fazer diante da crise? A crise é resultado da euforia. Era dinheiro demais, expectativa demais, tudo em excesso. A decisão de construir novas usinas foi exagerada. Os custos de instalação inflaram. Agora é apertar o cinto. Felizmente o mercado está reagindo. Vamos sair desta como já saímos de outras. O setor precisa de capitalização? Ele já apresentava problemas quando a crise chegou. Acho até que estaria saindo dela se não tivesse ocorrido esse enorme aperto de liquidez. Certamente precisam de recursos para financiar a exportação, para plantio e reforma dos canaviais, para concluir as obras irreversíveis. O governo está demorando demais para agir. Não se trata de acertar contas, mas de pensar estrategicamente. É preciso reconhecer que o setor foi pego no contrapé. O que você acha da entrada do etanol brasileiro nos EUA? Até hoje o grande mercado para o etanol têm sido os EUA, só que pagando a tarifa em momentos de preço baixo ou fazendo a desidratação e aproveitando o regime de preferência do Caribe. Será que algum dia aceitarão o livre comércio que tanto pregam, retirando a proteção? Precisarão mudar muito para que isso aconteça. Mas em que pé anda a parceria EUA-Brasil? Até hoje, consistiu em atuarmos juntos no desenvolvimento de terceiros mercados. Fazer parceria com os EUA é muito difícil. Enquanto fomos parceiros eles cresceram - e são hoje maiores do que nós. A indústria de etanol americana está em crise, pois com os preços atuais do petróleo deixou de ser competitiva. Eles vão primeiro recuperar sua própria indústria para depois, eventualmente, pensarem no Brasil. Nessa previsão, eu gostaria de estar errado. Que lhe parece a atuação do Itamarati no setor agrícola? Ando descrente. Individualmente eles são bons profissionais, mas, como instituição, o Itamarati é ineficiente. Não consigo entender como, dias depois da visita do presidente Dmitri Medvedev ao País, a Rússia reduz as quotas de carne suína do Brasil transferindo-as para os norte-americanos. Fico imaginando o que teriam conversado nas reuniões com o Itamarati. Certamente não trataram de carne suína. A grande verdade é que agricultura não tem glamour para diplomata. Como resolver o problema da dívida dos agricultores? Antes é preciso reconhecer que são vinte anos de muitos equívocos e alguns acertos. Cada vez que o governo erra, alguns agricultores, digamos, espertos, se escondem atrás dos milhares que realmente têm problemas. A solução passa não só por um enfrentamento com o passado, mas, sobretudo, pelo desenvolvimento de novos instrumentos de política agrícola. É possível um País não ter seguro agrícola para uma atividade de alto risco climático? É possível continuar a plantar sem hedge, o seguro de preço? É possível suportar as enormes flutuações de câmbio? Não adianta resolver o passado sem preparar o futuro. Feliz por ter vendido suas ações em uma usina de açúcar e álcool e estar fora do setor? Certamente feliz por ter resolvido o problema societário da Vale do Rosário em um momento propício. O setor agora enfrenta uma séria crise, mas tem grande futuro. Padece dos exageros de 2006. Essa ressaca vai passar. Grande futuro? Então por que foi vendida? A Vale do Rosário era uma das melhores usinas do País. Ela teve meu avô Sebastião de Almeida Prado como um dos idealizadores, tinha um grande passado, um futuro nebuloso e um presente repleto de conflitos de interesse agravados por administração ultrapassada e total ausência de governança corporativa - coisa essencial para uma empresa com 109 acionistas, 100 deles primos em diversos graus de parentesco, todos com pequenas participações. Estava fadada a ter problemas graves. Faltava coesão societária, o que não se cria de um dia para o outro. Nada melhor que um momento de boom para vender e resolver questões quase insolúveis. Negociar com 100 primos foi fácil? Foi uma grande experiência. Construir a maioria necessária para vender de maneira hostil, saindo de 1%, demorou um ano. Você não imagina a epopeia, o estresse. Eu e meu filho Tomas, que desenvolveu a estratégia jurídica, negociamos tudo, à revelia da diretoria. Sem banco de investimento ou consultorias, até porque não existia consenso para nada. O consenso só foi obtido mesmo no último dia. A família Biagi fez bom negócio ao comprar? No início o Luís Biagi esteve muito próximo do meu grupo. Depois sonharam com a tal fusão com a Santa Elisa e ele desistiu de vender seu lote de 11%, que o tornava, na época, o maior acionista da Vale do Rosário. Desde o primeiro dia dissemos que o nosso interesse era vender e aproveitar o boom - melhor dizendo, a bolha formada pelo excelente mercado interno, resultado do sucesso dos carros flex, a onda e o glamour dos bicombustíveis no mundo aliados à enorme liquidez dos mercados financeiros. Certo dia, quando o nosso grupo havia assinado acordo de acionista, ofereci o bloco de 23% ao Luís. Perderam essa oportunidade, pois se somassem com o que ele já tinha e alguns outros acionistas que desejavam a fusão, teriam o controle acionário. O que eles fizeram? Exerceram o direito estatutário de preferência, quando a oferta da Cosan foi formalizada, um negócio bem maior. Depois continuaram comprando de todos os demais acionistas, a preço de bolha. A ganância dos bancos induziu-os a um negócio que era uma temeridade. Achei na época que deviam ter algum parceiro internacional previamente engatilhado, pois assumiam enorme endividamento num momento em que a crise já estava delineada. Qual a saída para o setor? Vejo com tristeza o aperto pelo qual estão todos passando. O grupo SantaelisaVale, por exemplo, continua sendo um dos melhores do País, na melhor região. Certamente o etanol e o açúcar produzidos com enorme eficiência têm saída. O mercado é claramente promissor. Direto da fonte Colaboração Doris Bicudo doris.bicudo@grupoestado.com.br Gabriel Manzano Filho gabriel.manzanofilho@grupoestado.com.br Pedro Venceslau pedro.venceslau@grupoestado.com.br Produção Marília Neustein e Elaine Friedenreich

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