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Escritores revelam sua obra preferida

Na última mesa da Flip, a saudade marcou a leitura de oito autores

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Por Ubiratan Brasil
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Um descontraído Cees Nooteboom bebericava uma caipirinha na noite de domingo, no centro histórico de Paraty. No mesmo instante, acontecia uma festa de encerramento da sexta edição da Festa Literária Internacional de Paraty, especialmente para os autores. O viajado Nooteboom, no entanto, o holandês voador, que conhece boa parte do planeta, preferiu ausentar-se da badalação, como se nada ali poderia surpreendê-lo. Momentos antes, ele fora o último autor a ler o trecho de um livro de sua predileção, na tradicional mesa Livros de Cabeceira, que habitualmente encerra a Flip (veja lista ao lado). Nooteboom escolheu O Tempo Redescoberto, sétimo volume de Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust. Da obra, citada por ele como um dos melhores exemplos de como mal-entendidos podem produzir boa literatura, o holandês escolheu o último capítulo. "Proust nos diz que cada ser humano ocupa um papel mínimo no espaço e no tempo mas, mesmo assim, estamos no topo de um prédio de memórias pessoais e coletivas que nos torna gigantes." A importância de cada um no mundo, aliás, moveu as intenções de diversos outros escritores. A britânica Zöe Heller, por exemplo, muito à vontade com vestido curto e chinelos, escolheu um trecho de The Member of the Wedding, de Carson McCullers, sobre uma adolescente de 12 anos que se sente miserável no mundo. Segundo ela, a identificação foi imediata. "Para usar uma expressão americana, foi como se tivessem lido meu e-mail", disse. Um tom nostálgico também marcou a escolha do italiano Alessandro Baricco, que escolheu a última página de O Apanhador no Campo de Centeio, de J.D. Salinger. Ele considera a última frase do livro como uma espécie de resumo da essência de sua obra. Algo tão importante que está emoldurada na parede da escola de escritores, da qual faz parte: "A gente nunca devia contar nada a ninguém. Mal acaba de contar, a gente começa a sentir saudade de todo mundo." A beleza das palavras foi descoberta pelo inglês Neil Gaiman ao ler, ainda criança, The 13 Clocks, de James Thurber. "Voltei à obra quando já era adulto e notei que o texto continuava belo, da mesma forma que li quando tinha 7 anos." Tom Stoppard escolheu uma obra de Ernest Hemingway por dois motivos. Trata-se de In Our Time, cuja primeira edição, raríssima, Stoppard vendeu para comprar uma escultura, arrependendo-se até hoje. Também é nesse texto que estilo clássico e límpido de Hemingway não se perde tanto na tradução. Assim, o dramaturgo leu três vinhetas. "Apaixonei-me por sua obra há mais de 50 anos", explica. Única brasileira presente, Cíntia Moscovich preferiu a diplomacia - não escolheu nenhum autor nacional, vivo ou morto, para "não cometer injustiça". Assim, sua escolha recaiu sobre De Amor e Trevas, do israelense Amos Oz, que esteve presente na Flip do ano passado. "Com isso, homenageio também o festival", disse Cíntia. A bela nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, que dividiu com o angolano Pepetela uma das mesas mais adoradas pelos freqüentadores da Flip, escolheu a romancista Jamaica Kincaid, autora dotada de uma voz literária forte e de estilo enganosamente simples. Dela, leu um trecho de Autobiography of My Mother, "um livro ao mesmo tempo poético e sensual", justificou. Já o americano Nathan Englander homenageou um ilustre conterrâneo: John Cheever, contista admirável, considerado um dos maiores entre os americanos do século passado por satirizar a sociedade utilizando histórias que vivenciou. Dele, Nathan abusou de seu sotaque tipicamente nova-iorquino e, com fala rápida, leu parte do conto Goodbye, My Brother. A Flip terminou ainda sem recursos para bancar uma pesquisa científica sobre a visitação - o interesse é destrinchar o público atraído pela festa literária em termo de idade, sexo e grau de escolaridade. Por enquanto, os único dados que os organizadores dispõem dizem respeito ao total de ingressos vendidos, 36.600. No ano passado, o total foi de 31.457. Livro de Cabeceira CHIMAMANDA ADICHIE - Autobiography of My Mother, de Jamaica Kincaid NATHAN ENGLANDER - Conto Goodbye, My Brother, de John Cheever ZÖE HELLER - The Member of the Wedding, de Carson McCullers NEIL GAIMAN - The 13 Clocks, de James Thurber CÍNTIA MOSCOVICH - De Amor e Trevas, de Amos Oz ALESSANDRO BARICCO - O Apanhador no Campo de Centeio, de J.D. Salinger TOM STOPPARD - In Our Time, de Ernest Hemingway CEES NOOTEBOOM - O Tempo Redescoberto, 7.º volume de Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust

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