Escritores entre montanhas

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Por Ignácio de Loyola Brandão e SÃO FRANCISCO XAVIER
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Depois de São José dos Campos, ao ultrapassarmos Monteiro Lobato, a estrada, recém-recapeada, circula em zigue-zague e atravessa túneis de matas, como se estivéssemos nas gravuras de Doré em A Bela Adormecida. Quando a mata se abre, a paisagem das montanhas nos faz flutuar sobre cumes cobertos de nuvens. Então, entramos nesta cidadezinha da Mantiqueira, antigo pouso de tropeiros que vinham de Minas para São Paulo, tornada distrito em 1892. Ela faz parte do Circuito da Mantiqueira e é um lugar preservado com rios, lagos, cachoeiras, matas, montanhas, e silêncio. Há trilhas por todos os lados com nomes poéticos, como do Pouso Frio, do Rio Manso, da Pedra Redonda, do Chapéu do Bispo, do Pico Selado. Na praça, eu me deparava com caboclos de chapelão conversando de igual para igual com Verissimo ou Rouanet. Durante o 2º Festival da Mantiqueira, Diálogos com a Literatura 2009, ocorrido entre sexta-feira e domingo passado, aqui passaram 10 mil pessoas para ouvir, ver, perguntar, comprar livros e se fotografar junto aos 38 escritores de diferentes gerações e alto nível que circularam, falaram, ouviram e comeram uma comida muito boa, em acolhedores restaurantes que ofereciam da truta fresca das águas frias ou dos risotos de arroz negro (produzido na região) aos picadinhos caipiras com couve, farofa e ovo frito. Uma hora, você estava ouvindo Manuel da Costa Pinto discutir com Tatiana Salem Levy, vencedora do Prêmio São Paulo de Literatura do ano passado na categoria estreante. Ou conversando sobre literatura infantil com a ótima Índigo. Dali a pouco se via frente a frente com Boris Fausto, nosso historiador maior, que, aos 79 anos, conclamava o pessoal na mesa do restaurante a continuar a conversa, afinal, era apenas 1 da manhã. Na mesma mesa de debates, juntaram Sergio Paulo Rouanet, Nilton Bonder e Xico Sá e a combinação deu liga, ao falarem sobre a paixão. Marisa Lajolo trouxe relatos inéditos e insólitos sobre Monteiro Lobato, o mais profissional de todos os escritores, um homem moderno 70 anos atrás, batalhador sem fim em busca de leitores. Havia a tenda principal, com 500 lugares, onde ocorreram seis grandes encontros, cada um visto por 500 pessoas. A democracia reinou, com ingressos gratuitos, exigia-se apenas uma fila diante da bilheteria. Houve ainda leituras comentadas, atividades infantis, shows, oficinas, leituras dramáticas, lançamentos de livros. Um ciclo completo. Ainda quero, um dia, escrever sobre o café da manhã nesses encontros em festivais, feiras, bienais, salões. Momentos fraternos que em São Xico, como dizem, aconteciam na aconchegante Pousada Muriqui, da Juliana, da Silvia e do Nivaldo, que abrigou todo mundo e mantinha o dia inteiro um providencial bufê de iguarias à disposição. Dormíamos com o marulhar de um riacho que passava ao fundo. Jorge Caldeira conversava com Cristovão Tezza, Beatriz Bracher na mesma mesa com Menalton Braff, Luis Fernando Verissimo e Lucia, claro, discutiam literatura policial com Luiz Alfredo Garcia-Roza, Wilson Bueno disparava uma metralhadora giratória de ironias e histórias bem-humoradas e era uma gargalhada geral. Com Rouanet e sua mulher Bárbara lembrávamos instantes de Berlim - onde ele foi cônsul - e de Tiradentes, MG, onde eles têm uma casa "para a aposentadoria", para a qual já foi deslocada parte da biblioteca. Foi quando fiquei sabendo, por eles, que, etimologicamente, aposentar significa "retirar-se para os aposentos". Luiz Antonio de Assis Brasil passou como um foguete e regressou ao Sul. Verissimo atraiu uma multidão ao Photozofia, restaurante e bar descolado, como autêntico pop star do jazz. Resultado, teve de fazer duas sessões e ainda vendeu muito CD. Não percamos o Verissimo para a música. O secretário de Cultura, João Sayad, atento, não arredou pé da cidade durante os três dias, coisa rara, secretários promovem e não vão, o que não foi o caso, e, no sábado, o governador José Serra subiu para assistir da plateia o lançamento do 2º Prêmio (atenção, atenção, R$ 200 mil à espera de um escritor, veteranos e estreantes), além de lançar o programa 2ª Viagem Literária, que levará autores por 55 cidades do Estado, durante cinco meses. Participei no ano passado, indo a lugares que jamais viram um escritor cara a cara e a ideia é exatamente essa, abrir o leque, cavando e plantando em cada aldeia deste Brasil na formação de mais leitores. Literatura é prazer e aqui juntamos o comer e o beber. Não perca as trutas do Alegro, restaurante quatro-estrelas. Perfeitas. Abra com as caipiroscas. A Cafundó, de manga, limão e gengibre, é excelsa. A Fartura é eclética em cítricos: limão, limão cravo, laranja e lima da Pérsia. As frutas vêm todas do sítio do Mário Marques, o proprietário, psicanalista em São Paulo. No Ponto Gastronômico, do Will e da Nanda, os palitinhos crocantes de sal grosso e queijo são absolutamente imprescindíveis. Depois, peça um camarão à tailandesa. Agora, ao organizarem alguma coisa não me convidem para a mesa do português Miguel Sousa Tavares. O homem se acha, deve pensar que é Fernando Pessoa ou Eça de Queiroz e nem chega aos pés de José Cardoso Pires, Lídia Jorge, Saramago ou Lobo Antunes. Foi marcada uma sessão de autógrafos dele e minha na mesma mesa, mesmo local, ao meio-dia e meia de domingo. Ao chegar, ele estava sentado, cumprimentei-o. Ele nem me olhou, rosnou: "Hum!" Sentei-me e estendi a mão, dizendo meu nome. Ele nem estendeu a mão, nem se virou para o meu lado, nem rosnou "Hum". Diante de tanta cortesia, levantei-me, levei minha turma, fui autografar na praça. Não sem antes apanhar o romance Equador, que havia comprado para que ele me autografasse, afinal, é um companheiro de ofício. Na caixa da livraria Saraiva, troquei o Equador pelos 125 Contos de Guy de Maupassant.

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