Erudita,mas popular

A música clássica parte em busca de novo público, repensando a experiência do concerto ao vivo e apostando na internet como ferramenta de divulgação

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Por João Luiz Sampaio
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É um conto tão antigo quanto o próprio tempo. Aconteceu na primeira metade do século 20. Após perder sua hegemonia como forma de entretenimento caseiro, naquela época em que a diversão familiar costumava ocorrer em torno do piano, a música erudita refugiou-se nas salas de concerto. Até que a tecnologia de gravação a levou de volta, por meio dos discos, ao cotidiano das famílias. Foram décadas de parceria bem-sucedida. Mas os teatros começaram a ficar vazios. O que valia era o CD. Nos últimos anos, porém, foi a vez de a indústria fonográfica entrar em crise, com queda nas vendas e cancelamentos de contratos um dia milionários. Alguns autores foram categóricos: a música clássica havia morrido. Devagar com a procissão. Uma nova geração de intérpretes está procurando mostrar que ainda há vida para os clássicos, redefinindo o papel do concerto ao vivo e embarcando na onda de novas tecnologias. A guerra está sendo travada em duas frentes. Na primeira, o esforço é pela reinvenção da experiência do concerto ao vivo; na segunda, o que se arquiteta são maneiras de levar esta produção a um público cada vez maior, extravasando os limites dos teatros. Dois concertos previstos para este mês em São Paulo são exemplos do primeiro caso. Na terça, o Mozarteum Brasileiro promove uma Gala Haendel em que o próprio compositor estará no palco, interpretado pelo ator Sergio Viotti, oferecendo ao público o contexto de criação das peças programadas; no final do mês, quem sobe ao palco da Sala São Paulo é Hector Berlioz, interpretado por Marco Ricca, pelo Cultura Artística. Já da busca por novos públicos um exemplo recente é a transmissão para os cinemas das produções do Metropolitan Opera de Nova York, iniciada há dois anos nos EUA e na Europa e cuja renda da bilheteria já é suficiente para bancar a totalidade do projeto. No Brasil, ele chegou em janeiro, com uma sessão no Rio - quatro óperas depois, Madama Butterfly, de Puccini, teve, em março, 94 sessões, espalhadas por 33 salas Brasil afora. "Não se trata apenas de alcançar um público mais amplo. A transmissão no cinema devolve a ópera ao cotidiano das pessoas, ela passa mais uma vez a ser algo próximo do público", disse o diretor-geral do Met, Peter Gelb, em entrevista recente ao Estado. "Partimos do pressuposto de que há muitas coisas curiosas a serem descobertas sobre a música clássica", diz o maestro norte-americano Michael Tilson Thomas em entrevista ao San Francisco Gate. Ele é tido nos EUA como o "salvador" do gênero. Diretor da Sinfônica de São Francisco, ele criou o Keeping Score, que prevê apresentações antes dos concertos, contextualizando as peças a serem executadas, e grava ao vivo as récitas, lançadas mais tarde em DVD no qual cada passagem ganha explicação detalhada. "É preciso falar para o público sobre o que está por trás de um concerto e, claro, do que trata uma peça específica, a época em que foi escrita. É divertido ouvir um concerto e de fato compreender como a música funciona", completa. Iniciativas como essa, explica Tilson Thomas, têm como objetivo quebrar a aura de formalidade que cerca os clássicos. Em outras palavras, a noção é de que uma sala de concertos pode ser um espaço vibrante. "Nunca duvidei que esta música é um direito de nascença de todas as pessoas - assim como a natureza, os esportes, a comida. Isso não quer dizer que todos amem os esportes ou estar em meio à natureza, mas é difícil resistir a esse prazer se você consegue encontrar um guia entusiasmado que explique as regras e envolva você em seus mistérios. O regente é um vigário. Precisa garantir que seu público esteja de volta no próximo domingo", explica o maestro inglês Benjamim Zander, diretor da Filarmônica de Boston e um dos pioneiros da prática de introduzir concertos com conversas entre músicos e membros da plateia. Em essência, o que a música erudita busca é uma maior aproximação com o público - e, portanto, com sua época. Nesse sentido, é preciso aprender novos idiomas. Se o DVD e o cinema são linguagens possíveis, nenhuma é mais hegemônica, no entanto, que a internet. E, no mundo virtual, os clássicos entram com força surpreendente. Pesquisa da NielsenSoundscan mostra que em 1990 eles representavam 3,1% do total de discos vendidos; 16 anos mais tarde, queda para 2,4%. Já nos downloads, a realidade é muito diferente. Em 2005, o setor representava 12% do total de faixas baixadas e, em 2008, o número já chega a quase 15%, sendo o gênero que mais cresceu nos últimos anos em procura. "Todo mundo ganha. Para o neófito, é um sistema de risco baixo, pois é fácil e barato fazer o download; para o especialista, há a oportunidade de ampliar sua coleção com versões alternativas de suas peças preferidas", disse ao jornal The Guardian Jonathan Gruber, da gravadora Universal. Não por acaso, o Keeping Score já chegou à internet; e selos tradicionais, como o alemão Deutsche Grammophon, decidiram colocar praticamente todo o seu acervo disponível para download. "Vivemos um momento estimulante de diálogo entre a produção ao vivo e a gravada", diz o maestro John Elliot Gardiner, diretor do English Baroque Soloists. Seu projeto é pioneiro. Você assiste a um concerto do grupo e, se gostar, pode já no intervalo comprar uma senha que, dias mais tarde, vai lhe permitir fazer o download da apresentação. Há cerca de um mês, a mais famosa orquestra mundial, a Filarmônica de Berlim, também entrou na onda e criou um sistema, em seu website, que permite ao internauta assinar a temporada de concertos da orquestra, que vai acompanhar pela internet. "Nosso passado é de glórias, mas precisamos olhar para o futuro", disse na coletiva de anúncio da Digital Concert Hall o maestro Simon Rattle sobre a filarmônica. Poderia estar falando de todo um gênero. NÚMEROS 1,25 milhão de pessoas já assistiram em todo o mundo às transmissões para o cinema de óperas do Metropolitan Opera House, de Nova York, projeto criado no segundo semestre de 2007 13 mil pessoas já acompanharam as transmissões no Brasil desde o início do projeto, em janeiro. A última ópera foi exibida, em março, em 33 salas de todo o País 2,4% do total de discos vendidos em 2007 correspondem a lançamentos e reedições de música clássica e ópera 15% do total de downloads feitos em todo o mundo correspondem a faixas de artistas clássicos 75% do total das vendas do novo disco da violinista Janine Jansen, com as célebres Quatro Estações, de Vivaldi, lançado pela Universal, foram feitas por meio de downloads 1,4 milhão de internautas fizeram o download das nove sinfonias de Beethoven, disponibilizadas gratuitamente no site da BBC Radio 3 durante duas semanas em 2007

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