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Enquanto aguarda espaço nos EUA, casa da ativista Rosa Parks é levada a Berlim

Em 1955, a costureira negra se recusou a ceder seu lugar no ônibus para um homem branco

Por Guilherme Conte
Atualização:

Rosa Louise McCauley Parks (1913-2005) tem seu nome inscrito como uma das mais importantes ativistas pela igualdade racial na história. Tudo começou com um corajoso ato de desobediência civil: em 1.º de dezembro de 1955, uma quinta-feira, Parks se recusou a atender à ordem do motorista do ônibus em que viajava para dar seu lugar a um passageiro branco.

A cidade era Montgomery, no Alabama, no coração do sul dos Estados Unidos, então dominado por racismo e segregação. Parks acabaria presa e condenada a pagar uma multa. Mas o episódio levaria a um bem-sucedido boicote e a uma articulação nacional e internacional de movimentos pela igualdade racial. A lei de segregação em ônibus no Alabama, em vigor desde 1900, cairia pouco mais de um ano depois.

Guardião.Mendoza e a família: 'Gostaria de ver a casa instalada no jardim da Casa Branca' Foto: Gordon Welters/The New York Times)

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Parks se mudaria pouco depois para a casa de um irmão em Detroit, onde viveria por alguns anos ao lado de 16 pessoas – um destino similar ao de muitos negros que tentaram fugir do sul nessa época. Pois justamente essa casa, 60 anos depois, estava na lista de imóveis a serem demolidos pela cidade de Detroit, na esteira de uma crise que dizimou a cidade e a região economicamente. Foi então que entrou em cena Rhea McCauley, uma das sobrinhas de Parks. Ela comprou a casa por US$ 500 e a pôs sob guarida do artista americano Ryan Mendoza, há anos radicado em Berlim.

“A ideia era impedir que a casa fosse simplesmente destruída. Nós temos um pedaço da história aqui e isso tem que ser preservado”, afirma Mendoza, ao pé da casa, que agora se ergue no quintal de seu estúdio, no bairro de Wedding. “Eu não sou dono dessa casa, sou apenas um guardião. Essa casa tem que um dia voltar para os Estados Unidos. É difícil acreditar que até agora nenhuma instituição americana manifestou o menor interesse na preservação dessa casa.”

Impossível ignorar a dose de surrealismo que parece emanar enquanto se contemplam as tábuas de madeira descascadas (a casa só pode ser vista por fora) repousando tranquilamente numa rua calma no norte da capital alemã. A casa não só viajou quase sete mil quilômetros, em dois contêineres, como foi remontada por Mendoza sozinho, ao longo de quatro meses sob o gélido inverno berlinense.

A escolha de Mendoza como guardião da casa por parte de McCauley não foi por acaso. Desde 2013, ele vinha estreitando laços com a cidade de Detroit com projetos artísticos, despertando tanto admiração como controvérsia. Sua primeira grande “instalação” foi desmontar uma casa abandonada na cidade (que lhe foi doada) e levar para a feira Art Rotterdam, na Holanda. Esta casa, cujo projeto chamava The White House, está em exposição permanente em Antuérpia, na Bélgica, sob posse da Fundação Verbeke.  A obra fez o prefeito de Detroit torcer o nariz e classificá-la como sendo de “mau gosto”. E não só ele: Mendoza recebeu críticas pesadas e foi acusado, principalmente, de estar promovendo ruin porn, ou “pornografia de ruínas”: lucrar e obter prestígio a partir do colapso de uma cidade. “Foi uma longa discussão”, conta Mendoza. “Mas acredito que, o que aparentemente pode ser visto como exploração, quando visto mais a fundo, revela uma conexão, uma ligação.” Esse projeto desembocou em outro, The Invitation (O Convite), em que duas outras residências abandonadas de Detroit foram iluminadas formando os nomes Clinton e Trump, então concorrendo pelo posto de presidente dos Estados Unidos. Ambos foram convidados a passar uma noite nas casas brancas do subúrbio de Detroit. Tanto Hillary Clinton como Donald Trump, como era de se esperar, declinaram o convite. A história dos três projetos está contada no documentário The White House Film, recém-lançado por Fabia Mendoza, mulher de Ryan. Quando McCauley procurou Mendoza, a ideia era atrair atenção internacional para a causa. “A memória e o legado de Rosa Parks são imortais”, afirmou McCauley durante a inauguração do novo endereço da casa em Berlim, em abril. “Mas nós não podemos descansar enquanto o futuro dela não estiver assegurado.” Tanto McCauley quanto Mendoza têm muito claro que Berlim não é nem pode ser o destino final da casa. “Estamos completamente abertos a instituições que se mostrem interessadas em preservar esse pedaço tão importante da história e devolva a casa aos Estados Unidos, que é onde ela deve estar”, diz Mendoza. Ele conta que o sonho é que a ex-primeira-dama Michelle Obama se torne embaixatriz do projeto. “Gostaria de ver a casa um dia instalada no jardim da Casa Branca, em Washington. Ali seria um lugar digno para ela estar.” As perspectivas, no entanto, seguem obscuras. Mendoza conta que até agora recebeu a proposta de um milionário chinês, para levá-la a Pequim. “Já imaginou um troço desses? A casa de Rosa Parks exposta em Pequim? Os EUA vão deixar a casa escapar mais uma vez?” Enquanto seu futuro permanece incerto, a casa pode ser vista em seu endereço atual: Wriezener Straße, 19. Resta saber até quando. Mais informações sobre a casa e o artista podem ser vistos em www.ryan-mendoza.com