A gaúcha Katia Didone, estudante de arquitetura, nunca estivera no Teatro Municipal do Rio. O carioca João Vitor Oliveira, aluno da 7ª série de uma escola pública, já havia assistido lá ao balé Giselle e a um espetáculo do Grupo Corpo. Na quinta-feira passada, os dois se depararam com o foyer, a plateia, o palco e os corredores do Municipal em pleno processo de transformação: no lugar de barítonos e sopranos, operários cantavam (pagode); por todo lado, em vez do som orquestral, ouviam-se marteladas e viam-se andaimes e mais andaimes. Iniciadas há 8 meses, as obras de restauração do teatro, que completa 100 anos em julho, devem ir até o fim de novembro, prevê a diretora Carla Camurati. São 320 operários trabalhando. Desde o dia 28, visitantes podem acompanhá-los em ação. O passeio, que pode ser agendado pelo telefone (21-2332-9191) e é guiado por monitoras, começa pelo prédio anexo, onde há uma apresentação do contexto em que a construção foi erigida, em 1909. No prédio principal, o tour é iniciado pelo palco, onde serão trocadas as varas cênicas (estruturas que fazem as trocas de cenários). As pontes, de fabricação inglesa e originais, estão sendo revistas. "Todos os consultores internacionais disseram que não deveríamos mexer, porque elas estão em bom estado", explica Carla. No fosso e na área da plateia, altos andaimes chegam até o teto da sala de espetáculos. As poltronas foram retiradas e ganharão cobertura nova: sai o barulhento couro e entra um revestimento de veludo numa tonalidade fechada de rosa. "Queríamos deixar o mais próximo possível do original. Havia uma harmonia de cores entre as pinturas, os mármores e ônix das escadas que foi perdida quando se trocou pelo marrom", conta. Nos corredores e no foyer, o piso de mosaico está protegido por placas de madeira. Os lindos espelhos estão cobertos por plásticos com a inscrição: "Cuidado! Espelho." A escadaria de mármore de Carrara, com corrimões em ônix verde, está protegida por espumas; o bronze das colunas é limpo com produtos especiais; os lustres passam por revisão. Tudo é fotografado e descrito para orientação dos próximos responsáveis por reformas. A cúpula principal e as rotundas, cujos cordões eram originalmente dourados, mas há décadas ficaram esverdeados por obra da poluição do ar, estão ganhando de volta a tonalidade reluzente. O trabalho ficou a cargo do ateliê francês de Monsieur Gohard, o mesmo que já cuidou da Ópera de Paris e da Estátua da Liberdade. A águia de 6 metros de envergadura desceu do alto do teatro e também voltará a ser dourada. O público que faz a visita tem a oportunidade de entrar nos camarins e ver de pertinho figurinos de espetáculos que marcaram os 100 anos do Municipal: as óperas A Viúva Alegre, A Flauta Mágica e O Morcego e os balés Copélia, O Quebra-Nozes e O Lago dos Cisnes. O trabalho está orçado em R$ 55 milhões (são oito patrocinadores). De acordo com Carla Camurati, o atraso de quatro meses nas obras (elas terminariam em julho, para uma grande festa pelo centenário) se deu porque, iniciado o processo, descobriu-se a necessidade de mais reparos, principalmente na sala de espetáculos. Ela não chegou a se sentir frustrada por conta do adiamento. "Eu ficaria frustrada se não fizesse o que tem de ser feito. Iria me doer na consciência. Na hora em que vi uma quantidade enorme de ornatos lindos cobertos, pensei: ?Como é que eu vou pintar por cima??" Carla refere-se à recuperação do douramento de trechos do teto da sala de espetáculos, que haviam sido cobertos por tinta plástica numa reforma anterior, e da cúpula, do lado de fora, que era dourada até 70 anos atrás, como mostraram as pesquisas em fotografias. Além do teto do restaurante do teatro, Assyrio, originalmente ornamentado, depois monocromático, e que agora está voltando a ser como era. A reabertura ainda está distante, mas, por enquanto, o menino João Vitor se diverte ao ver os bastidores da reforma: "Tudo aqui é especial, principalmente a arquitetura", disse João, que faz parte do grupo de teatro de sua escola e pensa em ser "ator ou advogado". "Quem sabe um dia não me apresento aqui?" A universitária Katia pretende voltar para ver o resultado. "Moro em Pejuçara, cidade com 5 mil habitantes. Este teatro é incomparável."