Em Paris, exposição suscita respostas e perguntas sobre a fotografia

Mostra 'O Que É a Fotografia' está em cartaz no Centro Pompidou

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Por Sheila Leirner
Atualização:

O Que É a Fotografia?, recém-inaugurada no Centro Pompidou (até 1.º de junho) felizmente não responde a esta questão. É uma exposição livre, antiontológica. Ou seja, não trata da fotografia como tendo uma natureza comum, inerente a toda e qualquer expressão desta linguagem. É também imprecisa e descosida. Reúne trabalhos muito diferentes que tentam de uma forma ou de outra explicar o que são, ao que vêm, e cada um deles pode ser “petiscado” indiferentemente ao bel-prazer do visitante.

Esta é a segunda exposição da Galeria de Fotografias, aberta no fim do ano passado para completar o acesso permanente à rica coleção, uma das mais importantes do mundo. São 40 mil provas fotográficas, dos anos 1920 até hoje, para as quais serão programadas três exposições anuais: temáticas, históricas e monográficas. O intuito foi dar à fotografia um espaço específico para que ela não seja mais tratada como uma arte entre outras dentro do enfoque multidisciplinar que caracteriza o Centro Pompidou.

Essência. Gizé, Egito, 1981, de Denis Roche Foto: CENTRE POMPIDOU/DIVULGAÇÃO

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Na verdade, não há uma solução ao quesito O Que É a Fotografia?, da mesma maneira como não há apenas uma pergunta. Existem, sim, múltiplas respostas e interrogações, em relação aos diferentes objetos observados, e elas pertencem não aos artistas, mas ao observador, segundo a sua sensibilidade, conhecimento e experiência. As considerações são de toda ordem: técnicas, metafóricas, lúdicas. Dizem respeito ao tempo, espaço, jogo de luz, reflexo, sombras, experimentação, etc.

Diante da enorme diversidade que atingiu a fotografia em nossa época, é impossível adotar uma atitude unívoca. “Se o curador chegasse a definir a fotografia, o que se tenta fazer desde a sua invenção em 1839, não lhe restaria mais nada”, afirma Clément Chéroux, conservador no Museu Nacional de Arte Moderna de Beaubourg e responsável por essa exposição, assim como pela última grande mostra Cartier-Bresson. “Poderíamos trancar a porta e ir embora...”, conclui.

Nos oito segmentos pedagógicos da exposição, os trabalhos revelam como os 30 artistas se dedicaram a explorar um meio comum, com métodos diversos porque coerentes com suas procuras individuais. Para alguns, a fotografia é apenas um desejo de ver, para outros ela se define por seu material, princípios e prática; para outros ainda, é uma “sutil alquimia”, um “desvio poético” ou simplesmente um “formidável recurso”. Problemas tanto mais intensos quanto maiores foram os momentos de mutação: industrialização, democratização, reconhecimento artístico, passagem à fotografia digital.

Assim, é sempre por meio da imagem, jamais por teorias, discursos ou manifestos, que as obras de Joseph Beuys, Paul Citroën, Jochen Gerz, André Kertész, Giulio Paolini e tantos outros, podem ser apreendidas. Eles procuram mostrar do que a fotografia é constituída e, cada um à sua maneira, tentam compreender o próprio ofício. Alguns, como Brassaï, dissecam os instrumentos e materiais: mostram a câmera escura, ótica, luz, gelatina, papel, tudo que determina a “especificidade” do meio.

Para Man Ray, por exemplo, são as novas (e subversivas) práticas instigadas pelo material, que distinguem a fotografia das outras artes. Mas as imagens se definem também em sua relação com o real. Na fotos de Jeff Wall e Robert Morris, há concisão documental e distância crítica que não deixam de encerrar uma dimensão poética. Douglas Gordon e outros provam quanto a fotografia depende de sua condição relacional, quanto é essencial o impacto do olhar na construção da imagem e de seus significados, inclusive de seus componentes sociais e políticos.

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É possível que jamais se queira (ou se chegue a) ter conhecimento do que é a fotografia. Porém, ao rever Brassaï e Man Ray nesta exposição, não podemos nos impedir de pensar que o surrealismo, abrindo-nos as portas a um caminho do qual só nos aproximamos em sonho, foi o único que se empenhou – arrogantemente – em demonstrar o que a fotografia sem dúvida não era (e não é). O que já é um grande passo para saber o que ela é.

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