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Em exposição, Liliana Porter usa minúsculos seres como metáfora

Argentina que esteve na Bienal de Veneza mostra obras em São Paulo

Por Maria Hirszman
Atualização:

Uma grande base branca, que num primeiro momento parece vazia, recebe o visitante da exposição de Liliana Porter na Galeria Luciana Brito. Rapidamente, porém, o que parecia neutro vai se tornando denso, enigmático. Ao invés de uma madeira lisa, o que o público tem diante dos olhos mais parece o rastro de uma destruição, causada pela diminuta figura, de cerca de 5 centímetros, de um homem levantando um machado sobre a cabeça. Parece impossível, mas não há como negar o que está diante dos olhos: aquela figurinha destruiu o que havia à sua frente, numa cena que mais parece uma metáfora do mundo atual. A peça, intitulada Homem com Machado é uma espécie de desdobramento do trabalho apresentado com grande destaque pela artista argentina na última Bienal de Veneza (2017). E pertence simultaneamente à vasta pesquisa que ela desenvolve há décadas sobre essa fronteira ambígua e sugestiva entre o real e o representado, bem como ao fascinante uso que ela faz do terreno das miniaturas para falar das grandes questões do mundo contemporâneo.

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Homenzinho confronta a geometria em obrade Liliana Porter Foto: Galeria Luciana Brito

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A versão paulistana do Homem com Machado, no entanto, se diferencia das montagens anteriores – além de Veneza, versões do trabalho foram mostradas em Buenos Aires e na Cidade do México, por exemplo. Há nela uma grande economia de recursos, um caráter sintético que parece permear toda a exposição atualmente em cartaz. Intitulada Linha do Tempo, a exposição organizada pela Galeria Luciana Brito em paralelo à SP-Arte (há trabalhos dela na feira) prima não apenas por colocar lado a lado obras de diferentes tempos (da década de 1970 aos anos atuais) e técnicas (instalação, vídeo, escultura e desenho), mas também por enfatizar um lado sintético, minimalista de Liliana. Não há nos trabalhos expostos nenhum acúmulo ou composição excessiva. 

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Mesmo no vídeo Atualidades/Breaking News – uma espécie de almanaque visual e sonoro que ela constrói com riqueza de detalhes a partir de sua vasta coleção de objetos, bibelôs e recordações – predomina o rigor da informação parcimoniosa. Em vez da usual overdose de imagens a que somos constantemente submetidos, há uma proposital desaceleração. Os “personagens” são apresentados vagarosamente, permitindo uma aproximação afetiva e vagarosa. Um tempo expandido que permite ao espectador se identificar com o objeto, reconhecendo o que ele tem de familiar e de perturbador, que o coloca diante de um conjunto bem articulado de emoções, lembranças e referências. Há uma certa dose de humor e alguns momentos trágicos como quando, sob a vinheta Atualidades, vemos um trem de brinquedo completamente destruído.

A relação entre o real e o representado se faz presente há muitas décadas na obra de Liliana. Em uma série de trabalhos do início dos anos 1970, ela trabalha na fronteira tênue entre a representação do corpo, a figuração geométrica e o desenho que insere esses elementos no espaço expositivo. Os trabalhos dessa série também podem ser vistos neste momento na mostra Radical Women, que acaba de ser inaugurada no Brooklin Museum e que deve chegar à Pinacoteca em agosto. 

A artista argentina, radicada nos EUA desde 1964, costuma carregar consigo elementos do passado. Da mesma forma que acumula caixas e caixas de figurinhas e objetos (de ursinhos de pelúcia a cacos de cerâmica) que um dia farão sentido em alguma de suas montagens, associações e procedimentos desenvolvidos no passado retornam e se incorporam a novos trabalhos. É o caso, por exemplo, de duas pequenas obras – que são ao mesmo tempo complementares e opostas – presentes na mostra paulistana. Ambas se chamam The Attempt, mas têm subtítulos diferentes: Quatro Formas Geométricas Pretas e Três Formas Geométricas Brancas. Ali estão sintetizados diversos procedimentos trabalhados pela artista, como a relação entre o humano e o geométrico e o recurso a relações desproporcionais de escala como forma de seduzir o espectador. 

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