Em busca do paraíso perdido

O escritor holandês Cees Nooteboom, que vem para a Flip em julho, apresenta uma fábula de encontros e desencontros

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Por Ubiratan Brasil
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Alma e Almut são amigas inseparáveis, apesar do comportamento variado e das preferências completamente distintas. Enquanto Alma tem estatura mediana, é morena, introspectiva, adora a Renascença e tem mania por anjos (de preferência os retratados por Rafael, Botticelli e Giotto), Almut é loira, grandona, expansiva e gosta de arte moderna, particularmente dos corpos e rostos despedaçados da pintura de Willem de Kooning e Dubuffet. Uma trágica experiência, no entanto, o estupro sofrido por Alma, estreita a relação das moças que, dispostas a exorcizar os demônios do dia-a-dia, resolvem mudar de país e rumar para a Austrália, terra de um encanto insuperável e na qual a existência parece imutável, sem jamais modificar nada no mundo. Ao conversar com o Estado, por telefone, o escritor holandês Cees Nooteboom apressa-se a fazer ele a primeira pergunta: ''Alma e Almut se parecem com brasileiras?'' A preocupação procede - netas de alemães, as amigas vivem em São Paulo (especificamente nos Jardins), ponto de partida do romance Paraíso Perdido (tradução de Cristiano Zwiesele do Amaral, 160 páginas, R$ 32), que chega segunda-feira às livrarias. ''Tenho interesse em saber se elas não passam de uma caricatura'', completa, sossegando-se quando confirmada a verossimilhança. Na verdade, trata-se de duas amigas cujo incômodo sentimento de não pertencer a lugar nenhum as igualam a muitas garotas de sua idade, especialmente em sociedades tão desiguais como a brasileira e a australiana. Aos 74 anos, Nooteboom é apontado como autor de cerebrais fábulas pós-modernas. Suas histórias têm muitas vezes uma delicada, auto-reflexiva qualidade: o cuidado de lembrar que uma narrativa reproduz a ação humana em seu mais perfeito egoísmo e falibilidade. Romancista, poeta, dramaturgo, tradutor, Cees Nooteboom é um viajante inveterado e já conhece diversas cidades brasileiras - esteve no Rio, em Brasília, São Paulo, Salvador e a próxima vinda será em julho como um dos convidados da Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, entre os dias 2 e 6. Não à toa, seu livro faz eco a Paraíso Perdido, poema de John Milton (1608-1674) sobre a expulsão do ser humano do Éden e seu conseqüente contato com a dor, a perda e as provações.

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