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Em busca do glamour perdido

Baryshnikov abre espaço para jovens talentos na sua cia, Hell''''s Kitchen Dance

Por HELENA KATZ
Atualização:

O mais importante recado de Mikhail Baryshnikov, na primeira turnê latino-americana que realiza com o grupo que recém-criou, a Hell''''s Kitchen Dance, está em um pequeno detalhe. A princípio, usava um cinza que o destacava do grupo, todo em preto, em Come in (2006), de Aszure Barton. Agora, mistura-se aos jovens na cor, deles se separando somente pela mesma razão que os reúne: os modos de dançar que o tempo cunha. Quando uma estrela da magnitude de Baryshnikov continua a trabalhar pela dança, e não somente pela sua carreira pessoal, combinando as duas situações de forma inteligente e adequada, inaugura uma ação de amplitude modelar. Usa tudo o que seu nome conquistou para trazer ao teatro um público que, muito provavelmente, jamais conheceria os novos talentos que ele agora financia (com fundos do BAC - Baryshnikov Arts Center, em Nova York), sem essa estratégia. E assim, vai abrindo as portas para artistas da dança que, sem ele, não estariam se apresentando em teatros de cerca de dois mil lugares. Quem compra o ingresso movido pela aura do nome Baryshnikov, descobre os coreógrafos Aszure Barton (também bailarina da Hell''''s Kitchen Dance) e Benjamin Millepied (bailarino do New York City Ballet), assiste à dança de jovens de talento promissor, e, como brinde, leva para casa um pouco da atual situação do balé norte-americano e do que Baryshnikov está fazendo para que recupere o glamour perdido. Ao apresentar obras de dois coreógrafos que são também reconhecidos como excelentes bailarinos, como Barton (da Hell''''s Kitchen Dance) e Millepied (do New York City Ballet), o programa explicita a dança que agora parece estar interessando a nova geração que as escolas despejam no mercado para abastecer a produção em curso. Tanto Barton quanto Millepied alargam uma forte formação em técnica clássica com os modos de entender coreografia que a dança contemporânea já consolidou. Ambos revelam como preocupação central a criação de um vocabulário e o inventam com competência, mas dentro de um mesmo tipo de compreensão de dança. Para eles, o espaço continua sendo aquele da perspectiva renascentista com todas as suas hierarquias e, por isso, o vocabulário inventado é simplesmente depositado nesse espaço, que já está pronto antes dele e não se modifica. Nos dois solos assinados por Barton, Sweet Dream (2004), que ela mesma dança, e ROM (2001), para William Briscoe, aparece outra questão de fundo, igualmente interessante. São duas abordagens culturais unidas por duas maneiras distintas de buscar escapar do olhar colonizador. Em Sweet Dream, na crítica à sociedade norte-americana, a questão não chega a se resolver no corpo, ficando mais no texto cantado e nos adereços usados. Em ROM (2001), sem adereços, a questão se coloca de outro modo. Tudo se resolve na excelente interpretação de Briscoe para um material que indica ter tentado se aproximar da ambiência da música tradicional húngara que emprega. As projeções de Years Later parecem ter sido editadas para distanciá-la mais de Come in. O metrônomo que se justapõe em Come in serve bem como índice do excesso de explicitação que essa obra carrega. Mesmo assim, o pacote não se enfraquece, porque aqui o que conta mesmo é a atitude tomada. Pode-se constatar que Baryshnikov continua dançando bonito e com a elegância que sempre o caracterizou, mas não é isso o que mais importa. A dignidade com que vem levando a sua carreira adiante nessa nova etapa com a Hell''''s Kitchen Dance é que merece todos os aplausos que o público ainda dirige somente para ele. Insistindo, quem sabe ele conseguirá educá-lo nas questões que agora fazem parte da dança do país que ele quer ajudar a projetar.

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