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Eles querem amar, mas só lhes resta ser loucos

Michel Laub lança hoje O Gato Diz Adeus que, ao narrar a história de um triângulo amoroso, mostra o passado como um fardo capaz de inviabilizar sonhos futuros

Por Francisco Quinteiro Pires
Atualização:

Os adultos são capazes de esconder melhor os sentimentos do que os jovens. Mas esconder não é eliminar o que se sente. "Os personagens de Gato Diz Adeus se disfarçam com racionalizações", diz Michel Laub. Com lançamento no bar Mercearia São Pedro, às 19h de hoje, O Gato Diz Adeus (Companhia das Letras, 80 págs., R$ 28) é o quarto romance de Laub, escritor gaúcho de 36 anos. Conta a história de um triângulo amoroso envolvendo Sérgio, um escritor, Márcia, sua mulher, e Roberto, um professor universitário. Todos têm idades entre 30 e 40 anos. Michel Laub diz ter corrido um risco maior ao ambientar o novo romance no mundo dos adultos, terreno onde nunca havia pisado. "Não é um livro autobiográfico, ele apenas explora problemas vividos por alguém mais maduro", ele alerta. De fato, Música Anterior (2001), Longe da Água (2004) e Segundo Tempo (2006) apresentaram os dramas de personagens jovens, "mais sensíveis". "Os adolescentes têm limites diferentes, e não sabem lidar com o que sentem", ele diz. A inocência impede que eles vivam certas experiências e distorce a interpretação sobre o que experimentaram. Os personagens de O Gato Diz Adeus carregam o passado como fardo. Não à toa, a epígrafe do romance é uma frase de Jorge Luis Borges: "E és também o que terás perdido." O primeiro dos dois capítulos se chama O Passado e o Futuro numa Coisa Só. O que passou se transforma em fonte de dor e de culpa. De modo dilacerante, os indivíduos tomam consciência de que a vida também é feita de atitudes que, com o tempo, se revelam erros irreparáveis. Sérgio, Márcia e Roberto podem até ser cínicos, irônicos e prudentes com as emoções, mas, no fundo, eles sentem intensamente, como se voltassem à adolescência, segundo Laub. Isso os confunde, obrigando-os a encarar sentimentos desconhecidos. Por mais que a intenção seja amar, eles acabam realizando outra coisa que se liga à loucura, à perversidade e ao egoísmo. "É possível perceber como um personagem, dono de um discurso lógico, se entrega à insanidade."A verdade em O Gato Diz Adeus é "nebulosa". Laub optou pelo discurso em primeira pessoa - cada um conta o seu caso, oferecendo, assim, "uma riqueza de interpretações" sobre a história. Quando propôs a alternância de monólogos, Laub se lembrou de William Faulkner, autor de Enquanto Agonizo. "Mas não dá para dizer que é uma influência direta." Outros escritores aos quais "é possível que o romance deva algo", na temática e na linguagem, são Amós Oz (A Caixa-Preta) e Junichiro Tanizaki (A Chave). O gato aparece como metáfora das relações afetivas. Um dos bichos mais vulneráveis da natureza, ele é o que resta da relação entre Márcia e Sérgio, pais de Andreia. Como a memória, vai minguando em sua fragilidade. O felino também se refere ao livro que Sérgio escreveu baseado na própria experiência - e que tem o mesmo título da obra de Michel Laub. A ficção é bastante autobiográfica: Sérgio não mudou seu nome, o da mulher e o de Roberto, que foi seu amigo e tentou construir nova relação com Márcia. Na obra do pai, Andreia descobre a verdade sobre o passado e a morte da mãe. Abalada mas tendo um futuro pela frente, ela é "a única que faz a diferença", como diz Márcia no monólogo final. Mesmo correndo o risco de ser assaltada pela loucura e pela descrença. Trecho "represado numa zona cômoda, um apêndice que irá para o túmulo sem afetar o que você é a maior parte do tempo, você que não é diferente de ninguém, você que acorda, come, dorme, finge que seu trabalho tem alguma importância, finge que a sua vida vai deixar alguma marca, eu já falei disso naquela entrevista, você que agora é apenas velho, sujo, pobre, doente, um espelho do que as pessoas serão em pouco tempo, e é por isso que elas não olham, ou não falam, ou não pensam, ou sentem nojo." Serviço: O Gato Diz Adeus. Lançamento hoje, a partir das 19 hs. Bar Mercearia São Pedro. Rua Rodésia, 34, tel. 3815-7200. Vila Madalena

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