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Eles não querem ser iguais aos outros

Companhia Primeiro Ato apresenta Geraldas e Avencas, que discute a padronização dos corpos e sua conseqüente mutilação

Por Livia Deodato
Atualização:

Você não nasceu loira, nem com cabelos lisos, tem tendência a engordar e, logo, é incapaz de alcançar uma barriga ''tanquinho''. Mas você já adquiriu essa cor dourada nas madeixas por meios, digamos, artificiais, passa chapinha toda semana, é rata de academia e nunca está livre de uma dieta. Ser escrava de um único modelo de estética, ditado principalmente por revistas de fofoca e de moda, é considerado o carma de muitas mulheres que acreditam não terem tirado a sorte divina. Ouça ''Turbinada'', de Zeca Baleiro, feita especialmente para o grupo A coreógrafa Suely Machado, da companhia de dança Primeiro Ato, de Belo Horizonte, há algum tempo se incomoda com a ditadura da beleza sob a qual milhares e milhares de mulheres se submetem - seja aos 15, 25, 40 ou 50 anos. ''E o que mais me surpreende é o fato de todas elas, independentemente da idade, desejarem ter o mesmo e único tipo físico que a mídia propaga. De não aceitarem suas rugas, a flacidez, os cabelos brancos, que refletem toda a história de uma vida'', assinala. Geraldas e Avencas, o espetáculo que o grupo estréia amanhã, no Sesc Pinheiros, ultrapassa o limite dessa questão: trata também dos muitos corpos que já sofreram mutilação em busca de um corpo perfeito. ''Queremos instigar uma reflexão sobre esta padronização que estamos vivendo. Mostrar a possibilidade de um outro belo, que pode vir através de marcas e traços pessoais, o que de fato nos diferencia uns dos outros.'' Zeca Baleiro foi o responsável pela trilha original que vai embalar a coreografia cheia de ''excessos''. Não por acaso, os sete bailarinos da companhia Primeiro Ato são dotados de diferentes tipos físicos. Suely sempre preferiu pessoas interessantes que gostassem de dançar a obedecer um certo padrão estético também ditado em sua área de sua atuação. ''Porque isso sim, para mim, representa valor. É mais próximo à realidade, à vida, onde ninguém é igual.'' E acrescenta que todo bailarino do elenco atua diretamente na criação de todo espetáculo montado pelo grupo - e, especialmente, no caso de Geraldas e Avencas, onde esmiuçaram bagagens de vida trazidas por cada um, enriquecendo ainda mais o resultado desse trabalho. O documentário Estamira, de Marcos Prado, e o livro Retratos de Crianças do Êxodo, de Sebastião Salgado, serviram como base e inspiração para o espetáculo que não tem falas e somente faz uso de movimentos e de estado corporal (tradução de um sentimento que gera tensão muscular e modifica a fisionomia, nas palavras da coreógrafa). ''Estamira me tocou profundamente. Discute a vivência de um paradoxo entre lucidez e loucura. Já a obra de Sebastião Salgado, que mostra crianças mutiladas em um campo de guerra civil em Moçambique, fazendo filas para posarem para suas fotos, é tocante. Ele foi capaz de encontrar beleza sob outra estética.'' Geraldas, porque traduz nome de mulher forte, e Avencas, delicada planta que exige cuidados extras, não pretende fazer juízo de valor. Quer apenas refletir o excesso com muito bom humor. Serviço Geraldas e Avencas. 60 min. 7 anos. Sesc Pinheiros - Teatro Paulo Autran (1.010 lugs.). Rua Paes Leme, 195, 3095-9400. Sáb., 21 h; dom., 18 h. R$ 3,50/R$ 15

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