É hora de abrir olhos para ouvir boa música

Série Contos Clássicos teatraliza obras de Maurice Ravel, Saint-Saëns e Poulenc

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Por Beth Néspoli
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De tutu branco, Popó dança sua coreografia muito feliz e concentrada ao som do violoncelo. Apesar de sua boca grande, essa esperta fêmea de hipopótamo - uma articulada marionete de 90 cm - conseguiu entrar numa festa no céu, para indignação do sapo e do jacaré que ficaram de fora. A cena faz parte do espetáculo O Carnaval dos Animais, encenação do grupo mineiro de teatro de bonecos Giramundo para a obra musical homônima de Camille Saint-Saëns, que abre hoje a série infantil Contos Clássicos no Centro Cultural Banco do Brasil. Popó pode ser encantadora, mas a protagonista da série integrada por três espetáculos é a música erudita. No próximo fim de semana será a vez de Qualquer Coisa Conta História, teatralização dos cariocas Antonio Karnewalle e Sofia Portto a partir da suíte para piano a quatro mãos, de Maurice Ravel, executada ao vivo pelos pianistas Sylvia Thereza e Nivaldo Tavares. História de Babar, peça para piano de Francis Poulenc, na criação do grupo de teatro de sombras Karagozwk, de Curitiba, encerra a série. Se até adultos têm dificuldade de silenciar para ouvir um concerto, que dirá crianças, sempre mais inquietas. Pensando nisso, os curadores escolheram peças musicais criadas originalmente para esse público-alvo e grupos teatrais capazes estimular o silêncio e a audição com arte cuidadosamente trabalhada na interação entre imagem e som. "A formação de público para a música erudita tem de começar pelas crianças", diz Isabel Teixeira, uma das curadoras do projeto que estreou no CCBB de Brasília. "Nossa preocupação foi escolher também diversidade de estéticas", afirma a curadora. "Daí os bonecos do Giramundo, a contação de histórias a partir de objetos no segundo espetáculo e o teatro de sombras, técnica na qual o Karagozwk está entre os melhores." Dos três espetáculos, só O Carnaval dos Animais não foi criado especialmente para a série. "Ao idealizar uma programação com tal proposta, levar música erudita de forma atraente para o público infantil, não poderia deixar de fora essa criação maravilhosa do Giramundo. Em Brasília, nós fizemos com a orquestra no palco, que é o espírito da série, mas infelizmente aqui em São Paulo o palco do CCBB não comportaria os músicos. A música será gravada como eles já vinham mesmo fazendo." Criado em 1996, o espetáculo do Giramundo consumiu seis meses de preparação entre audição da música de Saint-Saëns, dezenas de vezes, confecção dos bonecos e dois meses inteiramente dedicados, dias inteiros, aos ensaios de movimentos. É o que conta Beatriz Apocalypse, filha dos artistas Álvaro Apocalypse (1937-2003) e Terezinha Veloso (1936-2003), que fundaram esse grupo de 37 anos de existência e carreira internacional, um dos mais premiados grupos de teatro de bonecos do Brasil. "Todo o grupo fez um estudo minucioso da música para criar cada boneco e cada coreografia rigorosamente em harmonia com os sons", fala Beatriz. Uma das características do Giramundo é trabalhar com técnicas muito variadas, daí que o predomínio das marionetes é fruto de uma opção estética, pela variação de movimentos que propiciam. "Há apenas um boneco de luva, o Juvenal, o narrador, e um momento de teatro de sombra, um jacaré, criado especialmente pelo meu pai." Na adaptação do Giramundo, a história original de uma festa de bichos na floresta é ligeiramente modificada. "Aproveitamos a idéia da festa no céu onde bicho de boca grande não entra para desespero do jacaré e do sapo." Técnicas diferentes de contação de histórias também integram o segundo espetáculo da série que tem direção de Antonio Karnewale, que também atua com Sofia Portto. Quem não conhece, esse ator terá papel importante - o agregado José Dias - na minissérie Capitu, que vai ao ar na Globo a partir de terça-feira. Qualquer Coisa Conta História vai presentear os ouvidos das crianças com quatro peças musicais de Ravel inspiradas nos contos A Bela Adormecida, O Pequeno Polegar, A Serpente Verde e A Bela e a Fera. "Partimos do princípio que a música é a protagonista nesse projeto", diz Karnewale. "A idéia é mostrar para as crianças que ouvir é legal." Para tanto, a dupla apostou na sugestão de imagens. Por exemplo, são panos os elementos de cena usados na narrativa de uma das histórias. "Mas não são bonecos perfeitos e acabados feitos em tecido, mas panos mesmo. A magia é essa, com qualquer coisa pode-se contar um conto, desde que se estimule a imaginação e crianças têm de sobra. Em Brasília, deu muito certo." O grupo usa ainda projeções e objetos, mas fez questão de criar alguns momentos de silêncio, para as crianças criarem suas próprias imagens mentais. Outro cuidado de Karnewale foi sublinhar elementos importantes no imaginário infantil. Por exemplo? "A floresta, que é o desconhecido. Os personagens saem de casa, da proteção da família, e ali enfrentam perigos, sombras, bruxas, gigantes. É um rito de passagem, o lugar onde enfrentam seus medos e de onde voltam amadurecidos." Mas ele enfatiza que não há didatismos no espetáculo que recomenda para crianças entre 7 e 12 anos. É o caminho oposto, da floresta para a cidade, o percorrido pelo elefante Babar, obra musical de Poulenc inspirada no conto de Jean de Brunhoff. A curadora da série descobriu a cia. Karagozwk, criada por Marcelo Santos em Curitiba em 1986, no YouTube. Um grupo que chega ao requinte de criar até refletores. "O teatro de sombras provoca nas crianças uma vibração muito diferente da animação audiovisual, porque tudo é feito em tempo real pelos atores-manipuladores", diz Santos. Na cidade, Babar se humaniza, faz ginástica, toma banho, dorme numa cama. "As crianças adoram essa parte." Os bem pequerruchos, de 3 anos, são os que mais curtem Babar. Leve-os sem medo. Serviço Contos Clássicos. Hoje a domingo, O Carnaval dos Animais; de 12 a 14, Qualquer Coisa Conta História; de 19 a 21, História de Babar. Centro Cultural Banco do Brasil (125 lugs.). Rua Álvares Penteado, 112, telefone 3113-3651. De 6.ª a dom., 11 h e 15h30. R$ 6. Até 21/12

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