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Dylan, craque em driblar expectativas

Anteontem, ele negou ao público o maior hit, mas revestiu de peso alguns clássicos e apresentou o frescor das canções novas

Por Jotabê Medeiros
Atualização:

O que dizer do show? Que o homem é simplesmente um monstro? Tudo que a gente já sabia? Que ele não canta, pigarreia. Que ele não fala, grunhe. Que é um quebra-cabeças tentar entender todas as palavras que ele às vezes pragueja, como um pastor querendo exorcizar um fiel endemoniado. Que ele é blasé e não cumprimenta a platéia, e que parece olhar para um ponto no escuro com seus olhos de caubói japonês (e nunca fita as faces em êxtase do público). Tudo isso é atenuante ou agravante? Dura questão. Dylan sempre parecerá que está tocando numa feira agropecuária, com aquela sem-cerimônia típica dessa atitude. Não bajula ninguém, e vai sem paradas da primeira à 16ª música. A banda? Vestidos como papa-defuntos de filme de western spaghetti (chapéu, bigodinho cafa e ternos de risca-de-giz, tudo preto), seus músicos são simplesmente magníficos. O guitarrista Denny Freeman, elegante e preciso e distanciado como um pianista de saloon, sai do mais comedido acompanhamento em Nettie Moore para um inferno de solos em Highway 61 Revisited e Thunder of the Mountain. No violino eventual e nos slides, o único homem sem chapéu da trupe, o loirinho Donnie Herron (que toca ainda o electric mandolin, pedal steel e lap steel). Lá atrás, o auxiliar de xerife, o homem da guitarra base, Stu Kimball. Na bateria, o lado sísmico do show (de boina no lugar de chapéu): o gigante George Recile, que decorou a armação dos pratos de sua bateria com colares do Mardi Gras de New Orleans. E o corcunda baixista Tony Garnier, o curinga da trupe de Dylan. Em Masters of War, após largar a guitarra, Dylan apavora com uma assombrosa rouquidão, acompanhado por contrabaixo acústico, violão, baixo e teclado. Parece uma locomotiva desgovernada cortando a ravina. Em Highway 61 Revisited, duas guitarras, slide guitar e um tecladinho matador varrem os tímpanos. O encurvado rock''''n''''roll ainda diverte à larga o velho Dylan, e até se renova em seu tecladinho à Jerry Lee. Em Workingman''''s Blues, novíssima balada blues, o atestado de que o homem não conhece o que a gente chama de estagnação artística. É uma canção tão rascante quanto qualquer outra dos anos 1960. Dylan não perde a mão. Canções como When the Deal Goes Down, de 2006, não são familiares ao público, mas seus versos hipnotizam, fascinam. Clássicos, como Stuck Inside of Mobile With the Memphis Blues Again, ressurgem revitalizados, cheios de novos significados. Quando Dylan chega ao bis, às 23h55, com All Along the Watchtower, ele e os músicos se postam em frente à platéia, como se posassem para aqueles fotógrafos que usavam flashes de pólvora (por sinal, Dylan proibiu closes de seu rosto). Não foram poucos os que saíram reclamando, cada qual com sua razão. O show começou às 22h02, quando ainda estava muita gente chegando. Houve uma correria para achar mesa no escuro. Os telões foram vetados pela organização, dificultando a visão de quem estava atrás. Show caro, e serviços que não estiveram à altura. Depois de invadir o palco logo após a primeira música, Leopard Skin Pill Box Hat, a ofegante Laura Artioli, paulistana de 21 anos, respondia desconfiada às perguntas do repórter. ''''Por que você invadiu o palco para agarrar o Dylan?'''' Ela apontou o homem com a guitarra e devolveu a pergunta: ''''Por quêêêê?? Você ainda pergunta por quêêêê???'''' Ela voltaria à carga durante a execução de Like a Rolling Stone, novamente sem sucesso - foi detida pelos seguranças antes de tocar no cantor.

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