Dura realidade das ruas inspira o jovem autor Fábio Mendes

Desabafo de dois sem-teto está em The Cachorro Manco Show, que já rendeu prêmios ao ex-ator e em dezembro volta ao Rio

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Por Roberta Pennafort
Atualização:

Dois episódios envolvendo moradores de rua marcaram profundamente o autor paulistano Fábio Mendes. Um foi em janeiro. Ele tomou conhecimento da história de Benedito de Oliveira, que, durante a missa pelo aniversário de 454 anos de São Paulo, na Catedral da Sé, começou a gritar: "Mata eu, São Paulo! Eu não quero morrer de fome!" O outro é anterior. Mendes saía de um bar dos Jardins quando se deparou com um mendigo, com quem se pôs a conversar. Soube que era formado em Letras, que perdera tudo e acabara na rua. Características e parte dos discursos dos dois homens estão em The Cachorro Manco Show, espetáculo que ele começou a escrever logo depois do encontro nos Jardins. Em agosto, o texto ganhou o Prêmio Luso-Brasileiro de Dramaturgia Antônio José da Silva, ao qual concorreram cerca de 150 pessoas, entre portugueses e brasileiros. Além de 15 mil, Mendes ganhou a montagem da peça, que já passou pelo Rio, por Brasília e Curitiba. Em dezembro, volta ao Rio e, em 2009, chega a Lisboa e, finalmente, a São Paulo. Trata-se de um monólogo de um mendigo-cachorro, ou um cachorro-mendigo - um cachorro manco, que se apresenta num stand-up comedy sui generis, de muletas. Ele fala sem parar num microfone de enorme pedestal, tentando conseguir a simpatia do público com a narrativa de suas aventuras. Tem as roupas como as do homem que Mendes encontrou nos Jardins, e, em dado momento, grita a frase do mendigo da Catedral da Sé. O ator é Leandro Daniel Colombo, trazido pelo diretor, Moacir Chaves. O autor só foi conhecê-los poucos dias antes da estréia (a escolha foi da Funarte, que concede o prêmio junto com o Instituto Camões). "Adorei!", diz Mendes, aliviado e feliz. O tema do prêmio era o quadricentenário de nascimento do Padre Antônio Vieira, e o autor misturou também aspectos da vida do religioso português radicado no Brasil, e incluiu trechos de alguns de seus sermões, como o do Bom Ladrão, da Sexagésima e da Quarta-Feira de Cinzas. Mendes tem 32 anos, cursou Administração e Letras (tomado pelo teatro, não chegou a concluir nenhuma) e era ator até seis anos atrás. Começou a fazer teatro aos 18, com Antunes Filho; depois passou pela Companhia de Ópera Seca, de Gerald Thomas, com quem encenou cinco espetáculos. "O Antunes dizia: ?Você não é ator, você tem que escrever.? Ele me estimulou muito", recorda-se. Ele parou quando se descobriu com uma doença gravíssima, pneumotórax ("a mesma que Manuel Bandeira teve"), que poderia tê-lo levado à morte. O impacto foi bem forte e, depois de recuperado, Mendes não parou mais de escrever - e de ganhar prêmios. Venceu o Concurso de Desenvolvimento de Roteiros de Longa-Metragem da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo e o Prêmio Funarte de Dramaturgia de 2004, pelo infanto-juvenil Blog de Menino. Agora, está em fase de captação de recursos para seu primeiro filme, Flyer (o roteiro premiado), com Camila Morgado, Du Moscovis e Marília Gabriela no elenco.

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