Duelo entre barbárie e civilização

No western Appaloosa, Ed Harris faz um estudo sobre a organização social

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Nunca houve uma mulher como Gilda, proclamava o estúdio, a Colúmbia, saudando a mítica Rita Hayworth do cult noir de Charles Vidor, em 1946. Nunca houve uma mulher como Allison French no Velho Oeste norte-americano, você vai descobrir agora, assistindo ao western Appaloosa - Cidade Sem Lei, que estréia hoje. Ator consagrado, com quatro indicações para o Oscar, Ed Harris assina aqui seu segundo longa como diretor, e o primeiro western. Em sua estréia, Pollock, ele investigou a mente e o processo criativo do pintor abstrato Jackson Pollock. O filme terminou contemplado com o Oscar de melhor atriz coadjuvante (para Marcia Gay Harden). Não há nada de abstrato agora na abordagem que Ed Harris faz do Velho Oeste, centrando seu relato em temas clássicos do gênero - a amizade masculina e a vingança. A relação no filme é essencialmente masculina, entre os personagens do próprio Harris, o xerife Virgil Cole, e seu ajudante Everett Hitch (Viggo Mortensen). Os dois se admiram e respeitam dentro do código de silêncio que caracteriza os mocinhos, mas a mulher, Allison (Renée Zellweger), vai desestabilizar na só essa relação, mas todo um universo. Assista ao trailer de Appaloosa Talvez Appaloosa seja, fundamentalmente, um filme para fãs de westerns. É curioso que Harris e Mortensen tenham sido companheiros de elenco em outro filme recente, e de gênero, a também abordar a violência. Chamava-se, justamente, História de Violência, de David Cronenberg. O próprio Harris deve ser fã de westerns e deve ter o clássico Paixão dos Fortes (My Darling Clementine), de John Ford, em algum panteão particular. Como Ford, que se apropriava de um episódio real - o célebre tiroteio do OK Corral - para recriar ficticiamente a vida de Tombstone, no século 19 (e mostrar como se constrói uma civilização), Harris também quer refletir sobre a organização da vida social, o que faz por meio de um estudo de personagens. Appaloosa segue um esquema narrativo que parece simples. Randall Bragg (Jeremy Irons) domina a ferro e fogo uma pequena cidade. Os cidadãos, em desespero, contratam dois pistoleiros (Cole e Hitch) para limpar o lugar. Na mitologia do western, a fúria dos homens representa sempre a força desagregadora. Homens combatem entre si, disputam o poder. Para autores como Ford, a mulher é a força agregadora. Não Allison. O primeiro choque em Appaloosa ocorre depois que Virgil Cole já se comprometeu com Allison. Ela chegara à cidade sozinha e ele, na cara dura, lhe perguntara se exercia a profissão das quatro letras. Persuadido de que não, firmam um compromisso e começam a construir uma casa. Allison leva Hitch para conhecer a casa inacabada - o cenário ganha uma função metafórica, naturalmente - e, também na cara dura, avança sobre o parceiro do futuro marido. Depois disso, Allison, diversas vezes, adotará esse comportamento mais do que ambivalente. É uma mulher de todos. A questão é por quê. A origem do filme está num elogiado livro de Robert B. Parker, de 2005. No começo, dada a ligação entre os dois homens, o espectador pode até antecipar alguma investigação sobre o homossexualismo entre caubóis, na vertente de O Segredo de Brokeback Mountain, de Ang Lee. Não é a intenção de Harris e ele também não é revisionista das tradições como o Clint Eastwood de Os Imperdoáveis (Unforgiven). A ambição de Harris em Appaloosa é de outra ordem. Pelo choque entre os personagens que interpreta e o de Jeremy Irons, ele opõe civilização e barbárie, entre a força da lei e o simples ato de matar. Por meio de Cole e Hitch, reafirma velhos temas (eternos?) - dignidade, honra, amizade. Tanto quanto sobre violência, Appaloosa é sobre amor. A mulher é a esfinge que direciona o relato para o desfecho. Mais do que um duelo entre homens, trata-se de um duelo entre um homem e sua consciência. Pode não ser para todos os gostos, mas é certa mente atual. E interessante. Serviço Appaloosa - Uma Cidade Sem Lei (Appaloosa, EUA/ 2008, 114 min.). Faroeste. Dir. Ed Harris. 12 anos. Co-tação: Bom

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