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Duchamp, no divã dos brasileiros

Artistas do País, a pedido do Estado, analisam o legado de quem já foi chamado de ''jogador de xadrez que resolveu fazer arte''

Por Camila Molina
Atualização:

''Duchamp é um jogador de xadrez que resolveu fazer arte'', diz, de forma descontraída, Nelson Leirner, brincando ser aqui no Brasil um dos sobrinhos do criador do readymade - e, mais ainda, promotor de uma ruptura, que hoje ''já não existe mais''. A obra de Marcel Duchamp pode suscitar uma série de opiniões, dentre elas, a inegável de que o artista foi uma peça fundamental da arte do século 20. ''O legado de Marcel Duchamp continua ativo como um terreno imantado. Sua obra ainda ensina e provoca poeticamente não apenas porque foi transgressiva e redefinidora da própria natureza da arte, mas também porque foi híbrida e ambígua - e essas são qualidades afinadas com a contemporaneidade. A atitude irônica e as muitíssimas camadas de significação com que este artista operava foram essenciais para tocar aspectos novos e fundamentais na relação entre produção e fruição da arte, que ate hoje são tópicos quentes para quem pensa nas funções da arte, no papel do artista e seu poder de fogo...'', afirma Regina Silveira, ela mesma criadora de obras feitas a partir de trabalhos famosos do artista, como Fresh Widow (de 1920) ou a pintura Nu Descendo a Escada (de 1912). Veja mais imagens das mostras em torno de Duchamp no MAM Jogador de xadrez, fazedor de trocadilhos - essa é uma característica inerente à sua obra - Duchamp foi ''pai da arte contemporânea, junto com Beuys e outros tantos bacantes que participaram desta grande orgia'', define Marilá Dardot. ''E pais nunca são bons ou maus, são pais'', diz ainda a artista. ''Sua crítica à autonomia da imagem pura retiniana se baseia no fato de que nossa percepção pressupõe articulação com a linguagem. Faz-se, desse modo, uma crítica radical à pintura como algo que se realiza exclusivamente na retina do observador. Esta articulação essencial entre imagem e palavra foi percebida por Duchamp e, a partir dele, vários artistas reiteram o jogo entre texto e imagem justamente para não subsumir um a outro'', lembra o pintor Marco Giannotti. ''Ao introduzir no contexto da arte um mictório, Duchamp coloca questões estéticas além do objeto artístico, levando a arte para regiões mais cerebrais do que retinianas. A finalidade sem fim do objeto artístico se confunde com a obsolescência técnica da mercadoria. Essa dimensão crítica, entretanto, desaparece quando o readymade vem a ser estetizado. A prática contemporânea, porém, o transforma num objeto kitsch quando o repõe como algo reproduzido em série.'' A obra de Duchamp pode até mesmo suscitar emoção, como conta o fotógrafo Cássio Vasconcellos, presente na exposição Duchamp-me. ''Uma vez no MoMA, fiquei tão fascinado com a Roda de Bicicleta que me esqueci que estava em um museu. Girei a roda e foi lindo vê-la. Arte é o que faz emocionar, que promove outro estado de espírito e isso aconteceu comigo, com um objeto inusitado e sem lógica.''

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