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Duas vezes Mademoiselle Chanel

A criadora do tailleur, ícone da elegância, ganha duas cinebiografias, mostrando a criação do mito e o apogeu tumultuado

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Nem os franceses entendem direito. Não existe nenhuma data redonda, nenhuma comemoração e, no entanto, surgiram quase simultaneamente dois filmes sobre Gabrielle ?Coco? Chanel, a estilista que virou sinônimo de moda e projetou a França no mundo. Quem iniciou o revival foi um norte-americano, William Friedkin. Diretor de sucessos como Operação França (o primeiro) e O Exorcista, nos anos 70, Friedkin parou um tempo com a carreira, consagrando-se à ópera. Em 2002, ele descobriu o romance de Chris Greenhalgh, sobre a ligação entre Coco Chanel e Igor Stravinsky. Decidido a contar a história, Friedkin lançou seu projeto no Festival de Cannes de 2007, com o aval da produtora francesa Claudie Ossard. Friedkin tinha até a sua Coco, Marina Hinds. Mas o projeto não foi adiante e Cannes, este ano, encerrou-se com o filme que Jan Kounen tirou do livro de Greenhalgh. Trailer de Coco Antes de Chanel Pôsteres anunciavam a próxima estreia de Coco Chanel & Igor Stravinsky por toda França e a outra Chanel, a de Anne Fontaine, já ocupava as telas, interpretada por Audrey Tautou, a Amélie Poulain. Coco Antes de Chanel. Em janeiro, em Paris, durante os Encontros do Cinema Francês, o repórter do Estado havia encontrado a diretora para falar de outro filme, mas ela já havia antecipado o fenômeno Chanel no cinema. Seu filme será distribuído no Brasil pela Warner. Para o espectador, que não está acostumado a ver ?biopics? vindos da França, esse súbito interesse pela cinebiografia de Chanel pode estar ligado ao êxito de Piaf, de Olivier Dahan, que deu o Oscar a Marion Cotillard. A própria Anne Fontaine admitia que seu interesse pela personagem não se liga à moda. Ela nunca se imaginou fazendo um filme sobre o assunto. O fascínio de Anne foi pela mulher adiante de seu tempo. Mademoiselle queria a independência e foi, por isso, que ousou tanto, numa época em que isso era inimaginável para a maioria das mulheres. Foi por necessidade, para vestir seu corpo, que tinha proporções particulares - era mignon, tinha poucos seios, quase andrógina -, que Coco virou estilista. Primeiro, para si mesma - para vestir seu corpo -, e depois para o mundo, criando um modelo de mulher que se tornou famoso, a moda prática e elegante, o tailleur de linhas equilibradas. O filme começa no orfanato, com a pequena Gabrielle e a irmã abandonadas pelo pai. Anne Fontaine mostra os anos de criação do mito. Coco sai do orfanato, vira cantora, encontra seu primeiro mecenas, mas não é uma cocotte, uma mulher que queira depender dos homens para seu sustento. O filme é sobre a luta de uma mulher, que ocorre ser uma (futura) estilista. A Chanel de Anne Fontaine é prudente, mais do que calculada, ou planejadora. O filme tem sua cara. A crítica foi dura e só não bateu mais pesado para poupar Audrey Tautou. A Coco Chanel de Jan Kounen é Anna Mouglalis, escolhida pela marca para a campanha do perfume Allure, em 2003. Anna tem a silhueta longilínea, o tom autoritário, a voz grave e sensual de Mademoiselle. No filme, ela veste Karl Lagerfeld, além de criações clássicas de Chanel. Começa quando a estilista, já consagrada, assiste à Sagração da Primavera, de Stravinski, obra-chave da música moderna. Stravinski é vaiado, ela o apoia. Acolhe o compositor e sua família em casa, para que ele possa trabalhar. Iniciam uma relação íntima e tumultuada. Terminam por se odiar. Coco & Igor não é sobre moda, mas sobre conflitos. Kounen é muito próximo da potência e selvageria de Stravinsky na Sagração. O elaborado visual de seu filme pode provocar admiração, mas a Chanel desses filmes talvez fosse um corpo estranho - um óvni - no universo da São Paulo Fashion Week.

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