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Dona Luzinete

Por Adriana Falcão
Atualização:

Toda semana, de terça a sábado, dona Luzinete passa as tardes no salão de beleza da rua em frente à que ela mora. Não, ela não se embeleza cinco vezes por semana. Nas quintas ela faz as unhas com a manicure Regina. Sempre escolhe um esmalte diferente, desde que seja em tom de rosa pálido. Nos sábados, arruma o cabelo, "que sábado sempre foi dia de cabelo arrumado!", afirma, tentando provar a utilidade do ato. Dona Luzinete nasceu no Ceará, casou muito nova, e veio para "o Sul", como ela fala, no fim dos anos 60. O motivo da mudança foi a transferência do marido, funcionário do Banco do Brasil. Ela conta que quando se despediu da mãe, no aeroporto de Fortaleza, não sabia bem se chorava de saudade antecipada ou se ria do destino. "Quem diria que eu ia entrar num bicho grande daqueles pra vir pra uma cidade maior ainda?" Foi aqui, "no Sul", que ela teve uma filha. Agora também tem uma neta. O marido de dona Luzinete morreu há mais de dez anos. A filha e a neta moram num bairro muito afastado. Ela teria ficado sozinha, no apartamento grande demais para ela, não fosse a velha empregada que vai lá diariamente das 8 da manhã às 2 da tarde. Assim que arruma a louça do almoço, Terezinha vai cuidar da vida. "É filho troncho, é um bando de nora e genro dentro de casa, é erisipela, pedra na vesícula, INPS, é um desmantelo que só vendo." Os comentários de dona Luzinete sobre a empregada geralmente terminam com a frase "é um desmantelo que só vendo". Assim que Terezinha sai, a patroa lava a louça de novo, "que só quem sabe lavar louça sou eu mesmo e isso já está mais do que provado", e então vai para o salão. Passa as tardes ali, conversando com um, reparando na conversa de outro, filosofando. Tem cadeira cativa. Se o ambiente está muito cheio, alguém pede, "a senhora pode afastar sua cadeira um pouquinho pra lá?", ela afasta, "tudo se ajeita nesta vida". Ninguém saberia dizer como seria o movimento do estabelecimento sem aquela visitante diária que quase já virou um amuleto, como o gatinho que mexe a pata em cima do balcão, ou o paninho do feng shui, ou a sinetinha da porta. E assim dona Luzinete vai enganando os dias. De terça a sábado, religiosamente, marca ponto no "Golden Beauté". Domingo pega o metrô, atravessa a cidade e vai visitar a filha e a neta. Segunda vai ao supermercado, ao banco, passeia um pouco pelo centro, entra na igreja, acende uma vela para São Jorge, reza um pouco. Mas não se conforma: "Por que vocês não abrem o salão na segunda?", pergunta sempre. "Porque o movimento é pouco", a gerente responde automaticamente. "Movimento pouco é lá na igreja e nem por isso São Jorge vive se queixando." De vez em quando, faz-se um silêncio no salão, e dona Luzinete aproveita para exprimir um sentimento. "Eu não vou dizer que tenho saudade do meu marido, que isso eu não tenho, não vou mentir. Mas que eu sinto falta da presença dele, isso eu sinto." "E sentir falta não é a mesma coisa que ter saudade?", alguém replica. "Ter saudade é querer de novo, sentir falta é sofrer porque não tem mais, saber disso, e pronto." Dia desses, dona Luzinete estava pensativa, olhando o céu pela janela do salão, e comentou. "Não vejo a hora de chegar logo abril que é o mês mais lindo que existe." "A gente já está em abril", lembrou a manicure. "Eu estou falando de abril do ano que vem, Regina!"

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