Dona Canô, um patrimônio centenário de Santo Amaro

Cidade natal de Caetano e Bethânia celebra com euforia os 100 anos da matriarca da família

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Por Lauro Lisboa Garcia
Atualização:

A terra de Dona Canô, Santo Amaro da Purificação, acordou cedo anteontem para o grande acontecimento do ano (ou em anos) na cidade: a celebração dos 100 anos da matriarca da família Veloso, a mãe e a avó simbólica de todos os santamarenses. A gratidão pelo afeto que ela sempre demonstrou pela cidade e seu povo estava explícita em diversas manifestações e inúmeras faixas espalhadas pelas ruas há dias. Uma delas, perto de sua casa, transcrevia um verso célebre de Vinicius de Moraes: ''''Se todos fossem iguais a você, que maravilha viver''''. Era essa a canção, na voz de Maysa, que ecoava de um carro de som que passava calmamente pela rua onde mora dona Canô, na bonita e então ainda tranqüila manhã de domingo. A expectativa pela missa na Matriz de Nossa Senhora da Purificação era grande. A igreja, toda enfeitada com flores brancas, ficou superlotada. A praça em frente, onde depois da missa foi oferecido à população um kit em forma de coração com pequenos sanduíches e doces, se encheu de cores, admiradores e música. Próximo do altar, houve até um certo tumulto, em parte por causa da atitude excessiva, no limite da falta de respeito, de fotógrafos, cinegrafistas e repórteres de tevê, sufocando a aniversariante e sua família durante todo o ritual. Um contra-senso diante da serenidade de uma senhora que a filha Bethânia e outros entes íntimos chamam de menina. E assim Dona Canô se manteve, alegre e gratificada, ao lado de outra senhora centenária, dona Luizinha Pedrosa, também muito querida em Santo Amaro. Canô foi presenteada com uma missa repleta de música e poesia, seja pelas canções do filho Caetano e do neto J.Velloso, pela voz da filha Bethânia, pelos hinos sacros, pelo bom humor do bisneto Jorge, pelos versos da poeta e atriz Elisa Lucinda, que descreveu como ''''árvore frondosa centenária''''. ''''Eu não mereço tudo isso, não sou ninguém, meus filhos é que são famosos'''', disse Canô um dia antes, ao sair de casa para se encontrar com a imagem de Nossa Senhora Aparecida, trazida de Aparecida do Norte para também presenteá-la. Para ela, a maior homenagem era ''''receber o abraço'''' da santa. Muita gente aproveitou a ocasião para tentar chegar mais perto dos ídolos Caetano Veloso e Maria Bethânia. Mas, como observou o monsenhor Gaspar Sadoc, que celebrou a missa ao lado do arcebispo Dom Geraldo Magella Agnelo, anteontem, no Brasil ela é conhecida como a mãe de Caetano e Bethânia, mas ''''aqui em Santo Amaro, eles é que são filhos de dona Canozinha''''. Foi o ápice de uma série de comemorações que começou em janeiro e se repetiu todos os dias 16 deste ano. No sábado à tarde, muita gente foi para a casa de Canô participar do corte do quiabo. É uma prática tradicional para o preparo de um saboroso prato nordestino, o caruru, que seria servido na recepção fechada para convidados no domingo. As amigas Maria Nazaré, Maria Celi, Dinorá, Berré e Aída de Jesus, todas senhoras morenas em trajes coloridos, foram lá cantar, sambar e cortar alguns dos 5 mil legumes. ''''A gente tem de cortar as pontas de sete quiabos e fazer sete pedidos'''', explica uma delas. Sobre Canô, elas usam expressões como ''''exemplo de vida'''', ''''lição de coragem'''', ''''alegria que transborda''''. ''''Ela mesma disse que chegou aos 100 anos porque não se irrita com nada, nunca brigou com ninguém'''', lembra uma das amigas. Num sobrado de frente para a lateral da igreja, as irmãs Maria Amélia, Maria Isabel e Maria Nilza Marques, esbanjando simpatia e gentileza, todas na casa dos 70 anos, assistiam a tudo de longe. Estiveram na matriz no dia anterior na chegada da santa padroeira do Brasil e se emocionaram muito com Bethânia e os fiéis cantando o refrão de ''''Romaria'''', de Renato Teixeira. ''''Essa missa de Canô devia ser campal'''', diz uma delas. ''''Santo Amaro tem muitas mulheres fazendo 100 anos, devia ser uma festa para todas elas'''', comenta outra. Nascida no dia 16 de setembro de 1907, Dona Canô (Claudionor Viana Telles Veloso) não só testemunhou quase toda a história de Santo Amaro, a 75 quilômetros de Salvador, no Recôncavo Baiano; também se tornou também um patrimônio dela. Na festa de abertura da Casa do Samba, no restaurado Solar Araújo Pinho, na sexta-feira, observou: ''''Eu que vi essa casa bela, belíssima, freqüentada por uma grande família de Santo Amaro, vi se acabar, vi no chão. Hoje vejo as paredes levantadas. Vejo a cidade contente, eufórica porque recebeu uma dádiva. Nós temos uma casa para nossos sambistas, nossos maculelês e todas as artes dos mais humildes. Espero que vocês não estraguem, aproveitem, gozem da casa, que não é nossa, é de Santo Amaro''''.

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