Domingos, um retrato amoroso

A atriz Maria Ribeiro traz a São Paulo seu belo documentário sobre Domingos Oliveira; filme abriu etapa carioca do evento

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Maria Ribeiro vem de uma família burguesa, sem nenhuma tradição no meio artístico. Mas, como ela revela, sempre gostou de aparecer. Fazia o jornalzinho da escola, participava de leituras. Até por isso, sempre achou que sua área seria a literatura. Queria escrever. Só que um dia se candidatou ao papel de atriz num filme de Domingos Oliveira. Ela não fez Amores, em 1997, mas viveu uma experiência que mudou sua vida. O teste era uma leitura na casa do próprio Domingos. "Fui educada para não tomar água nem fazer xixi na casa dos outros", ela conta. Na casa de Domingos, encontrou uma saudável bagunça, um clima de interação. "É isso que eu quero", pensou. Virou atriz - do próprio Domingos, no teatro e no cinema. De novelas (grava uma, atualmente, na Record). Munida de uma câmera - uma mini-DV -, ela seguiu o diretor desde 2002. Gravava entrevistas com ele. Domingos lhe perguntava o que pretendia fazer com o material. Ela respondia que um curta. Em 2005, ele próprio sugeriu que o curta virasse longa. E mais - Maria começou a perceber que Domingos queria esse filme. A Videofilmes entrou na jogada, Maria editou o vasto material (com Jordana Berg) e, na quinta-feira à noite, Domingos abriu o É Tudo Verdade no Rio. A sessão, em presença do diretor, reuniu vários amigos. Domingos Oliveira é um personagem 100% carioca. O clima era de festa. O documentário desembarca hoje em São Paulo. Pode até ser que a recepção seja menos calorosa, mas não será por falta de qualidade de Domingos. O público paulistano tende a ser mais sizudo. Afinal, não tem praia, batucada nas esquinas. Tirando essas pequenas - grandes - diferenças, o paulistano sabe reconhecer o que é bom. E Domingos é. Na apresentação do filme, e da diretora, o criador do É Tudo Verdade, Amir Labaki, disse que Domingos foi fundamental para sua geração - a mesma do repórter - e que sua obra oferece o testemunho de um artista que ama demais. Domingos filma amorosamente o amor, as mulheres, a arte, a vida. Maria Ribeiro, fiel ao personagem, filma Domingos Oliveira amorosamente. O próprio diretor sugeriu que ela cortasse uma ou duas cenas - uma entrevista em que ele fala deitado na cama do hotel, em Brasília; seu encontro com Paulo José -, mas sempre deixando claro que o filme era dela e que Maria o editasse como quisesse. Ela manteve as cenas. São belas. Domingos fala com toda intimidade (e sinceridade). Seus filmes podem ser ruins, ele admite, mas a visão de mundo é generosa - dionisíaca. A costura (montagem) é muito rica. Maria garimpou velhas entrevistas, cenas de filmes. O material estava jogado na casa de Domingos. Ao ver seu filme projetado na tela grande, ela lamentou a falta de qualidade técnica de certos momentos, mas o valor do retrato é enorme. Sem depoimentos sobre o autor - é ele quem fala -, Domingos passa a ser uma referência fundamental para se discutir (e entender) o artista. Nos anos 60, em pleno Cinema Novo, ele era um alienado que falava de amor em Todas as Mulheres do Mundo. Não era alienado, coisa nenhuma, porque o filme celebra Leila Diniz e ela, segundo o poeta Carlos Drummond de Andrade, libertou as mulheres brasileiras do jugo da opressão sexual. Em épocas recentes, o alienado virou profeta, ditando regras sobre como deve ser a produção brasileira, tomando seus filmes como modelos. Maria suprime os manifestos de Domingos porque sabe que a força do cinema nacional é a diversidade. É seu documentário amoroso e o duro e desagradável, mas forte e necessário Garapa, documentário de seu primo José Padilha, que também está no É Tudo Verdade e terá exibições sexta e sábado. É Tudo Verdade CINESESC: R. Augusta, 2.075, 3087-0500. 15 h, Sobreviventes, de M. Chnaiderman e R. Pinheiro; 17 h, Ôri, Raquel Gerber; 19 h, Domingos, Maria Ribeiro; 21 h, Cidadão Boilesen, de C. Litewski. ELDORADO: Av. Rebouças, 3.970, 2197-7472. 19h30, O Equilibrista, de James Marsh. Grátis

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