Domingos Oliveira, em quatro tempos

Caixa com quatro filmes mostra carreira do cineasta em dois momentos: na década de 1960 e sua retomada, 30 anos depois

PUBLICIDADE

Foto do author Ubiratan Brasil
Por Ubiratan Brasil
Atualização:

O teatro é a principal fonte da sabedoria cultural de Domingos Oliveira, mas é pelo cinema que ele consegue se expressar com mais veemência. É o que comprova a caixa com quatro DVDs que a Casa de Cinema de Porto Alegre acaba de lançar (R$ 140). São filmes que, além de comprovar a eloqüência com que Oliveira encara a vida e os amores, representam também dois momentos de sua carreira. De um lado, os primeiros trabalhos, Todas as Mulheres do Mundo e Edu Coração de Ouro. De outro, exemplos de sua retomada pessoal, depois de 20 anos sem filmar: Amores e Separações. "Na verdade, ainda que um bom tempo separe uma dupla da outra, os quatro filmes mostram que nada mudou em meu cinema", brinca Oliveira. "Em todos, há revelações explícitas ou disfarçadas - na verdade, tentativas de me superar." A frase não é de efeito. Todas as Mulheres do Mundo, por exemplo, rodado em 1966, marcou a estréia de Oliveira como diretor: antes só fizera assistência a Joaquim Pedro de Andrade. E o filme nasceu de uma necessidade impossível de se corrigir o destino. Afinal, a história do encontro entre dois amigos, Edu e Paulo, representa o próprio relacionamento entre Oliveira e a atriz Leila Diniz que, com o longa, atingiu o estrelato. "Já estávamos separados quando escrevi o roteiro. Na verdade, o filme era uma tentativa de reencontrá-la", relembra Oliveira, que na época tinha outro projeto em mente. Seria um filme chamado D. Juan 66 e que reuniria duas histórias, Edu Coração de Ouro e Todas as Mulheres do Mundo. "A segunda, porém, tomou a dianteira." Todas as Mulheres do Mundo conquistou um enorme sucesso, faturando o triplo de seu investimento inicial - que, aliás, contou com a contribuição de atores e equipe técnica, todos fazendo empréstimos bancários para comprar cotas da produção. Trata-se de uma comédia de costumes sobre as aventuras de um rapaz (Paulo José) que paquera as belas mulheres das praias cariocas. Na contramão do cinema brasileiro de então, marcado por produções engajadas, o filme revelava uma nova forma de amar e, principalmente, uma nova mulher. Domingos Oliveira conta que ficou vários anos sem rever o filme, especialmente depois da trágica morte de Leila, em 1972, em um acidente de avião. O momento aconteceu depois de uma terapia em grupo, quando todos assistiram ao longa. "Foi aí que chorei a perda dela." Edu Coração de Ouro foi lançado em 1968 e segue a mesma linha narrativa, contando as aventuras do personagem-título, um conquistador e gozador da vida, novamente interpretado por Paulo José. Inspirado em um amigo do diretor, Eduardo Prado, o filme foi um fracasso de público e só anos depois foi reconhecido pela crítica, que só então notou em Edu o retrato de uma geração perplexa com os rumos tomados pelo governo militar. A estrutura é praticamente a mesma do longa anterior, com adoráveis congelamentos de imagem logo em seu início: Leila na praia, Paulo José no calçadão. O diretor continuou filmando até 1978, quando rodou Vida, Vida. As dificuldades de produção, porém, desencantaram-no a ponto de convencê-lo a debandar para outras artes, especialmente o teatro. Assim, ele encenou clássicos de Gogol, Molière, Ibsen, Arthur Miller e do seu "pai espiritual", Dostoievski, a quem recorreu mais de uma vez nos diálogos de Amores, filme que marcou, em 1998, seu retorno ao cinema. A volta foi possibilitada especialmente pelo barateamento de custos graças aos avanços tecnológicos - o cinema digital despontou como alternativa ao modelo dominante de filmes caros (para padrões brasileiros) e dependentes das leis de incentivo. Amores também nasceu de uma peça de teatro, que inspirou uma versão fiel para a tela grande. O filme trata da relação entre pai e filha, interpretados por Oliveira e Maria Mariana, sua filha na vida real. Mostra também casais que se desfazem e refazem. Elogiado pela crítica, Amores retomou a vertente aberta pelo próprio diretor com Todas as Mulheres do Mundo, criando um universo muito próximo de Woody Allen e François Truffaut, em especial. Assim, pilotando produções cada vez mais enxutas (o custo médio de cada filme é de R$ 600 mil), Domingos Oliveira continuou a valorizar as experiências pessoais como ponto de partida para sua criação artística. Nesse contexto, surgiu Separações, lançado em 2003 e que seguiu a trilha de Amores, ou seja, também foi peça antes de chegar ao cinema. Ambos tratam de sentimentos e celebram o casamento entre arte e vida. "Considero Separações meu melhor filme pois é o mais profundo", conta o diretor, que primeiro rodou algumas cenas em digital para então buscar patrocínio. Mas, se ele teve de se adaptar às regras do mercado, a essência mantém-se: a partir de experiências pessoais, Domingos Oliveira conta histórias que encontram ressonância em todos nós.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.