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Dois grupos, duas línguas e um só alvo: a arte teatral

Haut Aus Gold (em português, Pele de Ouro), parceria Brasil e Alemanha, estréia antes em Berlim, depois vem ao País

Por Roberta Pennafort
Atualização:

Um grupo teatral brasileiro e outro alemão unem-se para escrever e montar um espetáculo. Uma questão logo se coloca: que idioma terá a peça? Os dois - e ainda francês, espanhol e inglês. Assim será Haut Aus Gold (em português, Pele de Ouro), que há um mês é ensaiada em Berlim pelos seis integrantes da companhia paulistana Tablado de Arruar e estreia na quarta-feira no Maxim Gorki Theater, de Berlim. Uma parte do texto foi escrita por Alexandre Dal Farra, diretor do Tablado, e outra, por Tine Rahel Völcker, do Maxim Gorki. A iniciativa tem apoio do Instituto Goethe. O convite para a montagem conjunta foi feita a Dal Farra por Tine. Ela esteve em São Paulo em 2007 e conheceu seu trabalho com o Tablado a partir da peça A Rua É Um Rio, encenada em ruas e praças da cidade. "Ela adorou o pouco que entendeu do português", lembra Dal Farra. No ano seguinte, foi o jovem diretor (de 28 anos) seguiu para Berlim, a fim de ver de perto o que ela e o diretor Tilmann Köhler fazem no Maxim Gorki, importante teatro do centro de Berlim. Ele ficou três meses estagiando numa montagem de Köhler, também jovem diretor (30 anos), hoje residente no Maxim Gorki, que está em ascensão na Alemanha: sua recente montagem de Woyzeck, de Büchner, ganhou a crítica. Ainda em 2008, Köhler, Tine e cinco alemães (três atores, a figurinista e o cenógrafo) passaram cinco semanas em São Paulo, já com os textos alinhavados. No fim de maio, os seis atores do Tablado foram à capital alemã, onde a peça estreia já com ingressos esgotados (a São Paulo deve chegar em 2010). Desde que chegaram, passam sete horas diárias, de segunda a sábado, ensaiando a montagem sobre o mito grego de Medeia - a cargo de Tine, que criou uma Medeia brasileira - e dos Argonautas - parte de Dal Farra, que criou argonautas europeus que vêm para o Brasil trazendo a bagagem num contêiner. São duas peças em uma. A opção é curiosa e cria a chance de se trabalhar diferentes visões que se tem do outro e as que o estrangeiro tem de nós. "Trocamos os papeis para inverter os olhares", explica Dal Farra, que identifica nos dois grupos inquietações comuns, como certo vazio ideológico, possibilidade de engajamento político (ou não). O que é natural, em se tratando da mesma geração, vivendo em metrópoles. A questão do idioma durante o processo de elaboração da peça não foi trivial: entre o diretor brasileiro, Köhler e Tine, usa-se o alemão; na sala de ensaios, confusão geral, já que os alemães falam sua língua entre si e os brasileiros, português. "É interessante a tentativa de diálogo. As dificuldades são interessantes", diz Dal Farra. A pergunta que permanece: se entre os artistas a comunicação é difícil, o que será do público? "As pessoas não entendem só através do texto", argumenta Köhler. A Medeia é vivida pela atriz brasileira Alexandra Tavares, que só fala português. Então a saída para que os espectadores alemães compreendam as cenas foi criar um artifício usando outro ator, Clayton Mariano, que faz seu filho e tenta traduzir o que ela diz como parte da encenação. Detalhe: apesar de não dominar o alemão, Mariano decorou suas falas no idioma. Tudo foi desenvolvido em grupo. A experiência tem sido riquíssima para todos, que desenvolveram o hábito de irem ao teatro juntos em Berlim, onde as opções abundam. Para Dal Farra, que está apenas em seu terceiro texto teatral, tem também um quê de surrealismo. "Sou um diretor musical que virei dramaturgo e de repente já sou chamado para montar uma peça nesse esquema!" Conhecido por suas pesquisas sobre teatro de rua e a sua relação com a cidade de São Paulo, o Tablado de Arruar foi criado em 2001. Chamou a atenção logo no primeiro espetáculo, A Farsa do Monumento, apresentado no Festival de Curitiba. Atualmente, ensaia na Oficina Oswald de Andrade.

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