Documenta 12 faz do caos sua estratégia

Mostra, que termina amanhã em Kassel, foi bem-sucedida na proposta de quebrar hierarquias e promover aproximações

PUBLICIDADE

Por Fernando Oliva
Atualização:

Caótico é certamente um adjetivo que pode ser lançado em direção à 12ª Documenta de Kassel. Porém, essa característica não se manifesta, necessariamente, sob a forma de um problema ou fragilidade - seja na mostra alemã ou no universo da arte contemporânea hoje, como já perceberam muitos artistas, e alguns curadores. No caso da Documenta, que termina amanhã na pequena cidade do sul da Alemanha, uma aparente confusão se converte em eficiente estratégia e ferramenta para a construção do novo, e prova que seus idealizadores (o casal Roger Buergel e Ruth Noack) talvez não sejam os siderados sobre os quais recaiu a ira tanto da crítica internacional quanto de seus demais colegas curadores. O caos e a indeterminação são assuntos centrais deste projeto. A proposta de promover aproximações e embates - tão improváveis quanto surpreendentes - entre as obras obviamente traz em si uma grande dose de risco. E há muitos momentos geniais, nos quais seu statement curatorial se realiza, abrindo caminho para aquele campo de pura ambigüidade e incerteza, espaço que deve ser preenchido pelo espectador. Como no improvável, mas significativo, encontro de uma Escultura Negra de Luiz Sacilotto lado a lado com trabalhos dos artistas Romuald Hazoumé, do Benin, e Dierk Schmidt, da Alemanha, ambos discutindo as conseqüências dos processos de colonização e as relações de poder entre periferia e centro. A decisão de fragmentar e multiplicar a presença de alguns artistas - como Juan Davila, Lee Lozano e Kerry James Marshal - foi levada a sério, e suas obras pontuam o percurso pelos diversos endereços da exposição (Museu Fridericianum, Neue Galerie, documenta-Halle, o palácio de Wilhelmshõhe e o recém construído Aue-Pavillon), o que possibilita ao espectador confrontar e ''''testar'''' a potência do trabalho em contextos múltiplos. Caos resulta em perplexidade, outro lugar sistematicamente evitado, apesar de invariavelmente nos interpelar. Parece ser esta também a questão de Retake with Evidence, do artista irlandês James Coleman, um dos mais discutidos trabalhos da Documenta 12. Na videoinstalação, Harvey Keitel, em atuação solo, envelhecido e abatido, se encontra em um cenário desértico, que lembra um antigo campo de batalha, em cores frias e artificiais, perguntando a intervalos regulares: ''''Porque estamos aqui?'''' e ''''Qual o sentido desta reunião?''''. Vivenciar uma situação de desarranjo é parte integrante do estar no mundo hoje, como costuma lembrar o artista belga Carsten Hõller. Finda mais esta Documenta, uma das questões que ainda persiste é: até quando vai causar estranhamento qualquer exposição que discuta e enfrente a cacofonia de nosso tempo e do estado da arte hoje? É curioso e sintomático que esta opção irrite mais a crítica - além de algumas instituições e daqueles que ainda defendem um lugar de ordem, controle, purismo e não-contaminação - do que o público, o qual, ao menos nesta Documenta, procurou estabelecer uma relação franca e generosa com os trabalhos, como prova o objeto-instalação do brasileiro Ricardo Basbaum, Novas Bases para a Personalidade, invariavelmente lotado de visitantes, que o transformaram em ponto de encontro e debate dentro do Aue_Pavillon e fizeram todos os tipos de uso dele, seja assistindo aos vídeos, lendo os textos ou dormindo nas almofadas.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.