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Discos raros pela primeira vez em CD

Pacote tem álbuns antológicos de Beth Carvalho, Elizeth Cardoso e Alaíde Costa

Por Lauro Lisboa Garcia
Atualização:

As grandes gravadoras deram uma brecada na recuperação de acervos, mas de vez em quando os colecionadores ainda são brindados com bons lotes, como o que a EMI distribui nas lojas na próxima semana. São dez títulos inéditos em CD de seu catálogo, incluindo LPs da Odeon e da Copacabana, de Beth Carvalho, Elizeth Cardoso, Rosinha de Valença, Alaíde Costa, João Nogueira, Taiguara, Paulo Sérgio, Cauby Peixoto, Ângela Maria e Dalva de Oliveira. Faltam fichas técnicas nos encartes, mas o som dos CDs tem ótima qualidade técnica. O projeto é do pesquisador e produtor Thiago Marques Luiz, que escreveu breves textos nas contracapas dos CDs, comentados a seguir. ANDANÇA (1969) Raro e ótimo álbum de estreia de Beth Carvalho, cuja faixa-título - composta por Danilo Caymmi, Edmundo Souto e Paulinho Tapajós -, em que divide os vocais com os Golden Boys, foi classificada no Festival Internacional da Canção de 1968. Boa de samba ela sempre foi, mas neste álbum Beth revela os dotes de grande intérprete também de outros estilos, com arranjos dos maestros Gaya e Lyrio Panicali. Sua versão para a densa Sentinela (Milton Nascimento/Fernando Brant) é talvez a mais surpreendente nesse aspecto. O grupo Som Três divide com ela os vocais em outras faixas, como as antigas Estrela do Mar (Marino Pinto/Paulo Soledade) e Nunca (Lupicínio Rodrigues). Outros temas daquele ambiente de festival despontam em canções de Marcos e Paulo Sérgio Valle e mais duas de Paulinho Tapajós com parceiros. Cheia de bossa, ela canta duas pérolas de Baden Powell: Samba do Perdão (parceria com Paulo César Pinheiro) e a esquecida Um Amor em Cada Coração, com letra de Vinicius de Moraes. ÂNGELA DE TODOS OS TEMAS (1970) Quase simultaneamente a Cauby Peixoto em Superstar (leia abaixo), Ângela Maria mudou de rumos, ao requisitar a sofisticação de compositores contemporâneos como Caetano Veloso, Chico Buarque e Vinicius de Moraes (de quem imortalizou Gente Humilde, parceria com Garoto). Em grande forma vocal, ela se divide entre expoentes da segunda dentição da bossa nova (Marcos e Paulo Sérgio Valle, Edu Lobo) e a jovem-guardista Martinha. O título do disco é oportuno para justificar o ecletismo do repertório, que ainda tem clássicos de Noel Rosa e Dorival Caymmi, valsa, marcha-rancho, samba, tango, pop americano e balada de fonte erudita. Tudo misturado e com arranjos sem unidade, mas não necessariamente ruins, de Portinho. CHEIRO DE MATO (1976) Sofisticada violonista e compositora sensível, Rosinha de Valença (1941-2004) alternou com maestria temas instrumentais e canções delicadas e autorais, como Os Grilos São Astros, Usina de Prata e Madrinha Lua, predominantes na primeira metade deste lindo disco de acento naturalista. Na segunda parte ela se dedica mais a composições alheias, e não menos belas, de Waldir Azevedo e Sueli Costa, entre outros. É lamentável a ausência da ficha técnica no encarte. Sem receber crédito no CD, Miúcha dividiu com ela os vocais em Cabocla Jurema, Francis Hime assinou arranjos e tocou flauta. Entre outros, também participaram do disco Sueli Costa, Sivuca, João Donato e Celia Vaz. CORAÇÃO (1976) Foi Milton Nascimento quem tirou Alaíde Costa de um ostracismo de sete anos ao convidá-la para um dueto antológico em Me Deixa em Paz (Monsueto/Airton Amorim), no álbum Clube da Esquina, de 1972. Quatro anos depois, Milton se empenhou em produzir este que é um dos melhores discos da cantora. A requintada sessão musical conta com instrumentistas de primeira linha, como Novelli, Nelson Ângelo, Toninho Horta, Robertinho Silva (todos agregados do Clube da Esquina), além de João Donato (que fez as orquestrações) e Ivan Lins. Alaíde está em casa, cantando belamente preciosidades de Milton, Johnny Alf, Danilo Caymmi e Ana Terra, Sueli Costa e de alguns dos músicos citados acima. DALVA (1958) Disco mais antigo (e também o menos interessante) do pacote, este de Dalva de Oliveira (1917-1972) tem canções exclusivas de Humberto Teixeira, Lupicínio Rodrigues, Hervé Cordovil e Ciro Monteiro, entre outros. Léo Peracchi e Oswaldo Borba assinam os bons arranjos, mas a interpretação exacerbada de Dalva com forte conotação kitsch, excedendo nos vibratos, não cai bem em qualquer ouvido, principalmente hoje. FOTOGRAFIA (1973) Anterior à sua obra-prima Imyra, Tayra, Ipy (1976), no qual se uniu a Hermeto Pascoal, Fotografias é um marco importante da fase experimental de Taiguara (1945-1996) e o penúltimo da década em que gozou de maior popularidade. Com letras entre engajadas e amorosas, melodias intrincadas, canto contundente e arranjos sofisticados de Francis Hime e Eduardo Souto Neto, o disco abre com um de seus futuros clássicos, Que as Crianças Cantem Livres. Tibério Gaspar, Paulo Moura e Nivaldo Ornellas estão entre os músicos que o acompanharam em 13 canções autorais, como a comovente Romina e Juliano (erroneamente identificada como "Romaina" no CD), o choro saudosista Cartinha pro Leblon e Não Tem Solução (Dorival Caymmi/Carlos Guinle). JOÃO NOGUEIRA (1972) No disco homônimo de estreia, João Nogueira (1941-2000) assina sozinho 7 das 12 faixas, entre elas, Das 200 Para Lá, gravada antes por Eliana Pittman, e o belo samba-choro Mariana da Gente. Nas demais, destacam-se o samba clássico Heróis da Liberdade (Silas de Oliveira/Mano Décio da Viola/Manoel Ferreira), pérolas de Casquinha e Wilson Baptista e um surpreendente Egberto Gismonti (Pr?Um Samba). Ainda imaturo, Nogueira já revelava bom gosto na escolha do repertório e o potencial da voz, que se tornaria uma das maiores do samba de seu tempo. ME AJUDE A MORRER (1980) Penúltimo álbum de Paulo Sérgio (1944-1980), este disco tem uma aura mórbida, já que ele de fato morreu pouco tempo depois, de derrame cerebral, aos 36 anos. Emulando o estilo do ídolo Roberto Carlos, Paulo canta várias baladas que lembram os anos da já então distante jovem guarda. Apesar do título deprê, o disco também tem canções divertidas, como o rockinho Lagartinha (Rossini Pinto/Paulo Bruno), o charleston Eu Não Sou o Que Você Está Pensando e o samba-pop Minha Madrinha, ambas de Paulo com parceiros. MOMENTO DE AMOR (1968) Na contracapa deste LP, um dos imprescindíveis da vasta discografia de Elizeth Cardoso (1920-1990), Sérgio Porto escreveu que ela não mereceu impunemente o título de Primeira-Dama da Canção Brasileira. Depois de bons anos seguidos mais dedicada a dar voz à nova geração do samba, como lembra Porto, a Divina voltou "mais enluarada do que nunca". A derramar poesia em cada faixa - não por acaso o disco abre e fecha com Vinicius de Morais e Tom Jobim (Derradeira Primavera e Insensatez) -, Elizeth canta o então novato Chico Buarque (Lua Cheia e Carolina), Sílvio César, Geraldo Vandré, Edu Lobo e Torquato Neto, Eumir Deodato e Paulo Sérgio Valle. Arranjos de Ciro Pereira e Luiz Chaves (do Zimbo Trio) emolduram de luxo interpretações de cortar os pulsos. SUPERSTAR (1972) Em seu único disco na Odeon, Cauby deu uma mexida no repertório tido como "cafona", interpretando canções de autores mais sofisticados. Não que tenha deixado o romantismo de lado. Aqui ele empresta o vozeirão a Chico Buarque, Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Caetano Veloso, Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli. Com a mesma dedicação arrebatada, entrega-se a Roberto Carlos e Erasmo Carlos, aos clássicos da velha guarda Chão de Estrelas (Silvio Caldas/Orestes Barbosa) e Mulher (Custódio Mesquita/Sady Cabral) e outros menos cotados. Careta ou moderno, em tudo transborda o amor por arranjos um tanto modernosos.

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