Dez anos para decifrar O Mistério

Lula Buarque de Hollanda e Carolina Jabor demoraram todo este tempo para concluir documentário que estréia sexta-feira

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

É uma relação antiga. O diretor Lula Buarque de Hollanda conhece Marisa Monte desde que ela fazia bolsas de couro e cantava em bares. Lula assistiu de camarote à evolução da artista, e até entrou para a família. Afinal, é casado com Letícia Monte, irmã de Marisa. Há tempos que Carolina Jabor e ele vinham trabalhando com a cantora no projeto de O Mistério do Samba. Foram dez anos de pesquisas, entrevistas, filmagens e montagem. No intervalo, Lula dirigiu Casseta e Planeta - A Taça do Mundo É Nossa e um documentário sobre Pierre Verger. Carolina, você pode chamá-la de Carol, tem esse sobrenome ilustre do cinema brasileiro. Filha do diretor Arnaldo Jabor, ela dirige atualmente a minissérie adaptada do ótimo Ó Paí Ó, de Monique Gardenberg com Lázaro Ramos. Ouça trechos de O Mundo É Assim e Passado de Glória Lula Buarque de Hollanda é antropólogo de formação. Tornou-se cineasta. O filme de Marisa - seu documentário (ela também é produtora) sobre a Velha Guarda da Portela - permitiu-lhe voltar um pouco às suas origens. "O que realmente me atraiu foi a possibilidade de acompanhar o cotidiano dessas pessoas simples, mas que criaram música num nível extraordinário." Filha de um grande admirador da azul-e-branco, Marisa Monte aproximou-se da Velha Guarda da Portela ao garimpar o repertório de seu CD Tudo Azul, de 1998. Surgiu ali sua vontade de decifrar o mistério do samba por meio de um documentário que recuperasse portelenses históricos. No formato do filme, Marisa conduz as entrevistas, entremeadas com rodas de samba na Portela e cenas de estúdio, com a gravação de seu CD. Muitos daqueles portelenses já estavam com idade avançada, e alguns morreram. "É uma coisa que nos preocupava", contou Lula Buarque de Hollanda num encontro com a imprensa brasileira no Hotel Carlton, de Cannes, onde O Mistério do Samba deveria ter encerrado uma das mostras paralelas do maior festival de cinema do mundo, o Cinéma de la Plage (leia ao lado). "A história que essas pessoas contam é oral, não está documentada em nenhum lugar. O que estamos fazendo aqui é o sonho de qualquer antropólogo - resgatamos as histórias riquíssimas, que refletem a cultura brasileira, mas que não estavam documentadas em lugar nenhum." Em Cannes, Marisa Monte diz que quis fazer o documentário como cidadã, porque havia ali na Velha Guarda da Portela uma história muito bonita de como o samba - e a escola - uniram aquelas pessoas, lhes deram uma identidade e todas juntas elas terminaram por influenciar a comunidade. Foram gravadas cerca de 200 horas de entrevistas e apresentações musicais. "Você pode imaginar o que representou reduzir tudo isso para hora e meia de filme", diz Carol Jabor. E ela faz coro com Lula Buarque de Hollanda - "Temos material sobrando para mais de uma minissérie e para encher de extras qualquer DVD." Além de Marisa, estão presentes Paulinho da Viola e Zeca Pagodinho, além, é claro, dos músicos que compõem a Velha Guarda. Casemiro da Cuíca, Monarco, as ?tias? Doca, Eunice e Surica, além de Jair do Cavaquinho e Seu Argemiro - os dois últimos morreram antes da finalização do documentário que estréia sexta-feira em seis capitais (incluindo São Paulo), mais Santos, mas o resgate está feito e agora existe este belo trabalho que vai perpetuar sua importância para a história do samba. O Mistério ganhou parcerias - com a Natura e a Conspiração Filmes. Já que o filme não pôde estrear em Cannes, como previsto, foi ?uma bênção dos céus? - como define o produtor Leonardo Monteiro de Barros - que terminasse estreando no Brasil, no Festival de Paulínia. Depois disso, o filme já esteve em Gramado. Em todos esses lugares, a fala dos sambistas da Velha Guarda - e a sua música - tem deixado muitos espectadores emocionados. Sendo um filme sobre uma escola como a Portela, pode surpreender que não tenha nenhuma imagem do sambódromo, do Rio. "É um filme sobre pessoas, sobre compositores geniais que fazem samba com sentimento. É um filme de coração. Não precisa de avenida", resume Lula Buarque de Hollanda. Arquivo Sonoro Escalamos 11 sambas que fizeram sucesso e marcaram para sempre a história dos portelenses: FOI UM RIO QUE PASSOU EM MINHA VIDA (Paulinho da Viola), Paulinho MIUDINHO (Raul Marques/Monarco), Paulinho FILOSOFIA DO SAMBA (Candeia), Paulinho QUANTAS LÁGRIMAS (Manacéa), Cristina Buarque COCOROCÓ e OLHAR ASSIM (Paulo da Portela), Clementina de Jesus MACUNAÍMA (Norival Reis/David Corrêa), Clara Nunes PORTELA NA AVENIDA (Mauro Duarte/Paulo César Pinheiro), Clara Nunes A CHUVA CAI (Argemiro/Casquinha), Beth Carvalho ESTA MELODIA (Bubu da Portela/Jamelão), Marisa Monte e a Velha Guarda RECOMEÇAR (Elton Medeiros/Paulinho da Viola), Elton Medeiros

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