Devemos beber desta água suja

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Por Redação
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O telefone preto tocou. Era o Nelson Rodrigues. Ele me liga de sua nuvem de algodão, num céu crivado de estrelas de purpurina. Nelson se manifesta sempre nas crises - minhas e do País. - Nelson, que bom que você ligou... estava precisando. O Brasil está um labirinto de escândalos. - Ora, rapaz, o País sempre foi assim. Só mudou uma coisa: antes, a consciência social dos brasileiros era medo da polícia; agora, eles perderam o medo... Eu sou do tempo do ladrão de galinha, quando só tinha três ou quatro bandidos no País... ah... bons tempos... O Zé da Ilha, o Mineirinho, até os apelidos eram mais doces. Havia uma vaga simpatia pelos vagabundos. Hoje, não; quem faz sucesso são os ladrões de casaca... Eles entram na churrascaria e são olhados com admiração. ''Olha lá o gatuno!'' - o executivo diz, comendo uma picanha. E o outro responde, trêmulo de inveja: ''É ladrão, mas dá nó em pingo d''água! Dizem que ele tem até Picassos na cozinha...'' E as santas esposas suspiram ao lado, pensando nas jóias que ganhariam deles... E ainda se viram para o marido e lhe atiram na cara: ''Você não é honesto, não; você é burro!!'' Elas têm razão. Falta de caráter facilita a vida. Ninguém mais é honesto. A honestidade é uma úlcera que devora as entranhas como uma víbora do Butantã... - Mas, não entendo... Nelson... os caras já têm bilhões. O Nahas já derrubou as bolsas, quebrou o mercado de prata no mundo! E querem mais? - Rapaz, roubar é um vício secreto; no ladrão de galinha e nas grandes jogadas, vive-se a doce embriaguez da adrenalina, feito lança-perfume no Bola Preta. - E os caras nem se escondem mais justa causa. Existem vigaristas que dizem, de peito enfunado e testa alta: ''Eu roubo porque não vou deixar aí essa grana para pagar o FMI!'' E também temos os bandidos ideológicos: ''Não é roubo não... - afirmam -, trata-se de ''desapropriação'' dos capitalistas!'' Você viu outro dia a comemoração dos pelegos sindicalistas no Congresso, felizes, tudo de gravata, com uísque 30 anos, ameaçando jornalistas? A ideologia absolve e justifica os ratoneiros. ''Não tem nada demais pegar mais 100 milhões por ano e não prestar contas ao TCU... - afirmam -, trata-se da vitória dos sindicatos sobre os burgueses que exploram o povo, pois, como dizia Lenin: os fins justificam os meios...'' É assim... Antigamente, o comuna verdadeiro, o legítimo, o escocês, tinha orgulho da própria miséria. Andava esmolambado pelos cantos, filando ponta de cigarro. Neste novo governo, surgiu o desfalque em nome de Marx... que, aliás, está uma fera com o PT aqui em cima... - E que vai ser de nós, Nelson? - Isso tudo é muito bom. Está se rompendo a úlcera do País, a apendicite supurada vai furar... O Código Penal já está desmoralizado, há juízes jovens e implacáveis, a PF parece Swat de filme americano. É bom... O Brasil está assumindo a própria lepra, a própria miséria moral. E essa coisa torta, mentirosa, vagabunda é a nossa verdade. Você não quer saber qual é a verdade? É isso. Os brasileiros deviam se abaixar no meio-fio e beber dessa água suja. Ela é a nossa salvação. - Nelson... você sempre me traz esperança... - Deus te abençoe...

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