Desfiles de verão em Paris refletem a crise anunciada

Há quem aposte no sonho, outros estilistas fincam pé na realidade e ainda outros nunca duvidam do mercado de luxo

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Por Lilian Pacce
Atualização:

Cai uma bolsa, cai outra bolsa e mais outra. Poderia ser cena de desfile, mas eram as manchetes de economia tomando conta do noticiário, revelando uma crise financeira só comparável ao crash de 1929. Foi nesse clima que o mundo da moda chegou a Paris - cidade que sempre encerra o circuito internacional de lançamentos de prêt-à-porter para a primavera-verão 2009. Sim, as coleções já estavam prontas. Mas como os estilistas são seres praticamente considerados videntes, o interessante numa temporada como esta é observar então como cada um vê a próxima estação. Marc Jacobs me disse no backstage do desfile da Louis Vuitton que, se nem o próprio George Bush é capaz de resolver o problema, por que esperamos que um estilista como ele ou Miuccia Prada tenham a solução? O fato é que há os que acham que, na crise, o importante é sonhar, pirar, apelar para o surrealismo. Há os que vêem o momento como hora de refletir sobre o que é essencial na vida - e no guarda-roupa. Há os que acreditam que a elite jamais se abalará e quanto mais luxo, melhor. E por aí vai. Mas se moda é desejo, vamos louvar a diversidade de estilos - de quem cria e de quem consome. Se vai caber no bolso ou não, é outra questão. Na Vuitton, a antena de Marc Jacobs capta referências de África e Japão, de Josephine Baker e de Yves Saint Laurent, num clima Paris Rive Gauche que lembra grandes momentos étnicos de YSL nos anos 70. A paleta de cores é sombria como o mercado financeiro (marinho, vinho, marrom), mas a profusão de acessórios tão bem misturados no mesmo look compensa, especialmente nas sandálias cheias de penduricalhos, assim como os poás de seda e o cabelo afro-poodle. Para marcar a cintura, obis de quimonos. E, atrás, surpresa: transparências discretas sobre o bumbum revelam lingeries especiais. Stella McCartney também respira o l?air du temps. Se a Vuitton prefere paletós sequinhos - variantes de smokings e spencers -, a filha do ex-Beatle Paul prefere o smoking do namorado, que é um pouquinho maior, em tons de pó compacto, branco ou preto, em macacões, coletes etc., que ela usa com delicados tops em devorê e muito tricô. Uma fórmula prática e sexy - aliada à sua filosofia eco-friendly - que sextuplicou o lucro da marca no último ano. Para colorir tudo, o background da passarela era um painel que será leiloado em prol de uma instituição infantil e criado pelos irmãos-artistas Jake e Dinos Chapman, ícones da arte contemporânea britânica. Depois das quedas dos saltos em seu desfile da Prada em Milão, Miuccia Prada não baixa a guarda em sua segunda marca, a Miu Miu, que tem o desafio de fechar a temporada de Paris diante de uma platéia já exausta pela maratona. E ainda assim, ela consegue provocar. Aposta em silhuetas que ampliam o volume do corpo, especialmente os modelos com pregas, faz da juta puída tecido de luxo e ainda joga um aventalzinho por cima de tudo. Às vezes, surge um jato de tinta como aleatório; em outras, um belo trabalho de estampa que reproduz mosaicos greco-romanos. Tudo bem comportado. Esta mulher mais voluptuosa também aparece nas criações de Alber Elbaz para a Lanvin, graças a drapeados mais armados, como o dos modelos de ombro só em que ele mistura dois tons da mesma cor, seja azul, vermelho, vinho ou verde. Bijoux imponentes - já clássicos de Elbaz - ganham novas pedras e formatos. Na Givenchy, Ricardo Tisci troca a inspiração gótica da estação passada pela aventura country com toques S&M, e o resultado é uma coleção de altos e baixos, como se esse caubói não dominasse seu cavalo. Enquanto isso, na tradicional Hermès, onde o luxo cavalga tranqüilo desde 1837, o diretor criativo Jean Paul Gaultier explora o conforto de ponchos e franjas em chamois no meio de um cenário árido com toques mexicanos. Aqui estão de volta as maletas rígidas, mas a tendência mais quente das passarelas são as bolsas meio amassadas, para segurar com a mão, como mostraram Miu Miu e Vuitton. Afinal, com a queda das bolsas no mercado financeiro, vamos ter mesmo que recuperar aqueles modelos mais velhos no armário. Portanto, bolsa amassada agora é chic. Assim como as roupas - Prada, Burberry e Marc, entre outras, apostam na economia do ferro de passar.

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