''Depois da polícia, vamos olhar a política''

José Padilha, do polêmico Tropa de Elite, fala dos seus novos trabalhos e dos impactos que a crise vai gerar no cinema

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Por Marilia Neustein
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Crise econômica, pirataria, queda de público nos cinemas. Nada parece abalar o fôlego criativo do diretor José Padilha. Sua agenda a curto, médio e longo prazo está cheia; o lançamento do documentário Garapa no Festival de Berlim, o aguardado Tropa de Elite 2, além de diversas parcerias internacionais, entre elas, com a produtora de Brad Pitt. O diretor adianta, ainda, que seu próximo longa de ficção, Nunca Antes na História Deste País, pretende fazer com os políticos brasileiros algo semelhante ao que Tropa de Elite fez com a polícia - uma profunda análise, levando em conta o jogo de forças e as complexidades dessa instituição pública. A expectativa é que o filme seja lançado pouco antes da eleição presidencial, "para as pessoas saberem em quem estão votando", afirmou o cineasta. A seguir, trechos da conversa do diretor com a coluna. Neste filme que você está produzindo, como vai ser abordada a política brasileira? É um longa de ficção. Eu e o Luiz Eduardo Soares estamos ainda escrevendo o roteiro. Nossa ideia é analisar a política brasileira de uma maneira parecida à que fizemos com a polícia no Tropa de Elite. Depois da polícia, vamos olhar a política. Vocês vão fazer um raio-x das instituições políticas? Investigamos quem são os políticos, qual é o jogo deles para se eleger, que tipo de aliança se faz, como se financiam as campanhas e no que esse financiamento implica depois de uma eleição. Vamos olhar para situações semelhantes à do mensalão, por exemplo - embora não seja um filme sobre o mensalão e nem só sobre o governo Lula. É sobre a política no Brasil, em todos os governos e em todas as instâncias. Estamos pesquisando esse processo que se repete em todos os níveis de administração do Brasil e que, na minha opinião, acaba por moldar o que acontece no País. O que vocês descobriram nessa pesquisa, até agora? Que existem algumas peculiaridades do processo eleitoral brasileiro. Isso é histórico. E o Luiz Eduardo Soares viveu algumas eleições, então ele sabe. Na primeira eleição do Lula, ele estava na campanha. O primeiro tratamento do roteiro já está pronto, e está superbacana. Já temos uma parte do dinheiro e vamos filmar no ano que vem. E o elenco? Quando eu penso em elenco, a primeira coisa que me vem à cabeça é o Wagner Moura... (risos). Mas não li o roteiro para ele, ainda estou levantando os recursos para o filme. E como surgiu a ideia do Tropa de Elite 2? Quais as motivações ? O Tropa de Elite 2, para mim, é um filme que só existe se um grupo de pessoas estiver disposto a fazer junto. Não existe esse filme sem Lula Carvalho na fotografia, o Daniel Rezende na montagem, o André Ramiro, o Wagner Moura, o Bráulio Mantovani no roteiro, sem Rodrigo Pimentel... e por aí vai. Eu não faço filme porque vai gerar público, sabe? Então, pensamos juntos no Tropa 2, e Bráulio já está escrevendo o roteiro. Com a crise econômica, fica mais difícil arrumar dinheiro para o projeto? Já temos pessoas muito interessadas em colocar dinheiro no Tropa de Elite 2. Logicamente, é mais fácil levantar recursos para esse título do que para outro filme da minha produtora. Mas esse filme também é, para mim, uma faca de dois gumes. Porque se eu eu colocar o Tropa 2 para captar, acabo captando só para ele, porque aí ninguém vai querer colocar dinheiro em outros projetos. Mas já dá para sentir os efeitos da crise? Qual o impacto disso no cinema? É óbvio que a crise vai afetar o cinema. A grande maioria de cineastas faz cinema com dificuldade. O cinema brasileiro tem um problema que lhe é inerente: é financiado por meio de uma lei que depende do lucro das empresas. E essas empresas não vão ter o mesmo lucro do ano passado. Pode ser que haja público, mas haverá menos filmes. Mas o Tropa 2 sai ou não sai? Eu trabalho nessa perspectiva, senão eu estou ferrado (risos)... Quem vive de cinema e não de publicidade, como eu e meu sócio Marcos Prado, quando escrevemos um roteiro, estamos também investindo em dinheiro. Tem dado certo até agora, o Tropa de Elite foi rentável e os documentários que a gente fez foram vendidos para a TV. Nos EUA, o público não caiu por causa da crise. E historicamente o cinema perde muito pouco com as crises, ou melhor, perde relativamente menos que outros setores. Você já tem alguns projetos internacionais em andamento? Estou terminando de escrever um roteiro para a produtora Plan B, que tem o Brad Pitt como um dos sócios. É a adaptação de um livro chamado Marching Powder - a história verídica de um traficante inglês que é preso na Bolívia quando está indo para a Inglaterra com cocaína. Além disso, tenho um outro projeto como diretor para a Warner Brothers. E o documentário Fierce People? Estou montando com o Felipe Lacerda - o mesmo montador do Garapa - o Fierce People. É um documentário para BBC e para o canal francês Art. Partimos de uma série de eventos que aconteceram na Venezuela, de 1966 até os anos 90. Antropólogos do mundo inteiro foram lá pesquisar os índios ianomâmis para tentar entender as razões pelas quais, teoricamente, eles fazem muitas guerras. Há uma série de questões teóricas sobre a origem da guerra no meio desse debate. Como o olhar de um cineasta reage ao que está acontecendo em Gaza? Estou trancado em uma ilha de edição dez horas por dia. E, portanto, qualquer opinião que eu der sobre esse assunto será superficial. Porque nunca parei para estudar e entender a questão de Israel e Palestina. Não me parece que o que acontece entre judeus e palestinos seja muito racional. Existem motivações religiosas no meio dessa guerra, e a religião tende a ser inimiga da razão. É uma pena. Por que lançar o Garapa em Berlim? O meu maior compromisso este ano é com o Garapa. É um filme do qual eu gosto, fiquei muito tempo fazendo. Eu ia lançar no festival do Rio, depois na Mostra de São Paulo, mas tivemos um problema no laboratório. Aí me apareceu a chance de submeter o filme a outros festivais. Berlim viu e convidou o filme. Eu gosto do Festival de Berlim e acho que é o lugar certo para ele. Por quê? Porque Berlim é um festival que tem tradição de gerar debates. E esse filme possui essa característica, porque lida com um problema mundial, a fome. Se você avaliar os números da ONU, vai ver que o número de pessoas que passam fome no mundo aumentou muito no ano passado - saiu de 800 milhões para 920 milhões - por causa do preço dos alimentos. Só isso já é uma enorme questão política: o preço dos alimentos, os subsídios da agricultura, etc. Depois, tem toda essa história do Brasil, do Bolsa-Família. Todos esses elementos que permeiam o filme me fazem pensar que Berlim é um lugar bom para lançar. E o que você acha dessa nova denominação, "Favela Movie" ? Os críticos de cinema e os realizadores dividem os filmes nessas categorias. A questão é se essa categoria gera um tipo especial de entendimento sobre o cinema que é produzido no Brasil. No Brasil, muitos filmes são feitos no ambiente de favela, mas isso não cria um gênero de cinema. Pode ser um romance, um thriller ou um drama que se passa na favela. Direto da fonte Colaboração Doris Bicudo doris.bicudo@grupoestado.com.br Gabriel Manzano Filho gabriel.manzanofilho@grupoestado.com.br Pedro Venceslau pedro.venceslau@grupoestado.com.br Produção Marília Neustein e Elaine Friedenreich

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