Decadência familiar inspira o quarto romance de Chico

História do Brasil dos dois últimos séculos é pano de fundo para livro que consumiu mais de um ano na escrita

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Por Ubiratan Brasil
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Em janeiro, Chico Buarque de Holanda colocou o ponto final na obra que escrevia desde setembro de 2007 e que hoje chega com tratamento de best-seller às livrarias: Leite Derramado (Companhia das Letras, 200 páginas, R$ 36). A história do homem velho que, em um leito do hospital, revisita o próprio passado e, por extensão, a transformação da sociedade brasileira, chega com duas opções de capas e uma fornada inicial de 70 mil exemplares. Em seu quarto romance, Chico Buarque segue a tradição do pai, o sociólogo e historiador Sérgio Buarque de Holanda, cujo clássico Raízes do Brasil descreve o processo de formação da sociedade brasileira como singular e distinto da dos outros países da América Latina. "O curioso é que ele se surpreendeu quando levantei a hipótese de a imprensa relacionar seu novo livro com a obra do pai", comenta o editor Luiz Schwarcz. Há, no entanto, influências sociológicas, literárias e familiares. Criado em um ambiente notadamente intelectual, Chico Buarque gosta de relembrar com amigos a seriedade profissional do pai. "Sérgio sempre dizia que literatura é coisa séria", comenta o compositor que, ao ser premiado com o Jabuti de melhor ficção com Estorvo, em 1992, fez questão de receber a estatueta, mesmo debilitado por uma perna quebrada e meio avesso a cerimônias. "Meu pai também ganhou um Jabuti", orgulhava-se. Chico repetiu sua monástica rotina ao criar Leite Derramado, ou seja, concentrou-se no processo, despreocupando-se das outras artes. Dessa vez, foi poucas vezes a seu apartamento em Paris, onde costuma se isolar quando ameaçado por crises criativas. Também pouco compartilhou da escrita com amigos. "Ele quase não fez comentários e só suspeitei de que haveria algum cunho histórico porque ele fez consultas com a Lilia", conta Schwarcz, referindo-se à sua mulher, a antropóloga e professora Lilia Moritz Schwarcz. Quando entregou os originais, Chico já os apresentou atualizados sob as regras da nova ortografia. O nervosismo, porém, era típico de qualquer escritor. "Chico logo me disse que, se eu não gostasse, ele poderia recomeçar e mudar tudo pois estava com a mão boa", relembra Luiz Schwarcz. "Como se dedica exclusivamente ao texto quando está escrevendo, Chico sofre muito." A avaliação de amigos próximos, assim, transforma-se em informação preciosa. Chico recebeu ótimo retorno dos editores da Companhia das Letras responsáveis pela publicação. Também ficou lisonjeado com as palavras da crítica literária Leyla Perrone-Moisés, que classificou o livro como "obra de um escritor em plena posse de seu talento e de sua linguagem". Não sobraram apenas confetes, no entanto. Rubem Fonseca, por exemplo, notório pela reclusão diante da imprensa, não gostou do título, Leite Derramado. Ele também contestara o de outro livro, Estorvo, dizendo que seria melhor se viesse acompanhado do artigo, O Estorvo. Segundo Fonseca, o estranhamento agora vem da contradição entre o título inspirado em um ditado popular e a escrita rebuscada do romance. A escolha do título, aliás, foi demorada - surgiu apenas depois de Chico ter decidido qual seria a última frase do livro -, mas despontou como única opção. O livro chega amparado por uma ampla campanha de marketing, envolvendo mídia impressa, rádio e TV, além de anúncios em livrarias e ônibus. Também um site (www.leitederramado.com.br) entra no ar hoje, com vídeo exclusivo com Chico Buarque, agora ansioso pelas críticas, como as que vêm a seguir.

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