''De repente, fiz 52 anos de carreira''

Aclamado no teatro, Ítalo Rossi põe o Seu Ladir do seriado de TV Toma Lá, Dá Cá na boca do povo: agora tudo é ''mara''

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Por Patricia Villalba
Atualização:

O personagem Seu Ladir funcionou como uma arma secreta no Toma Lá, Dá Cá, da Globo. Passou o primeiro ano do seriado sendo freqüentemente citado, como o excêntrico marido da síndica Álvara (Stela Miranda). Agora, no segundo ano, Ladir pegou todos de surpresa, aparecendo maravilhosamente personificado por Ítalo Rossi, talvez o mais improvável nome para vivê-lo. ''Tudo o que passa pela minha cabeça e eu gosto, eu digo que é ''mara''. Maravilhoso!'', lançou Ladir logo de cara. E Ítalo - aquele dos personagens sérios, do Teatro dos Sete, dos mais de 500 papéis no teatro e dos quatro prêmios Molière - virou ''o mara'', gíria que diverte as crianças e foi hit na Parada Gay. Um dos atores mais respeitados do País, 77 anos de idade e 52 de carreira, Ítalo conta como é flertar com o sucesso a granel que só a televisão pode dar. Em repouso por causa de uma tendinite, ele recebeu a reportagem do Estado no seu apartamento, no bairro do Flamengo. Uma daquelas entrevistas que é difícil interromper, que vai das noites cariocas de 40 anos atrás - ''Eu era o rei da cocada preta'' - ao fenômeno Obama. Não precisa dizer que ele é ''mara'', precisa? Você acha que o que há de mais fascinante na carreira de ator hoje é o mesmo do que há 50 anos? Hoje o ator se prepara em academia, faz esgrima, fica lá com halteres. Antes, você tinha o texto. Era ali que ia caçar o interno do personagem. Senão, como é que eu ia fazer um japonês, careca que eu já era naquela época (em 1956, quando fez ''A Casa de Chá do Luar de Agosto'')? Já era careca? Vi as fotos e achei que aquele cabelo fosse seu... Não, imagina, aquela cabeleira! A descoberta do ator é intuição, vocação. De repente, você tem o seu ''ah'' e acontece. E tem de ter a certeza de que sucesso, fracasso e dificuldade de conseguir patrocínio têm de fazer parte da carreira - sem reclamar. É assim que se faz uma profissão. E, de repente, tenho 52 anos de profissão. De repente. Sempre que se fala em você, a cia.Teatro dos Sete, que ajudou a fundar em 1959, é citada. Acha que hoje é possível se montar companhia? Não, não é mais possível. O máximo que você pode ter em cena hoje em dia são quatro atores. Não é querer falar sobre o que foi - o que foi, foi. Mas o teatro teve mesmo uma época em que tudo funcionava, havia um público que não deixava de ir. Hoje, não. Para comparar, se eu perco um filme no cinema, espero o DVD. Agora, se você perde o teatro, não tem volta, é fatal. Se ainda houvesse as peças filmadas, como o Grande Teatro Tupi... Não quero ser contra você. Mas teatro é no teatro, cinema é no cinema e televisão é na televisão - o timing do ator é outro. No teatro, é o corpo todo. Na televisão, é meio corpo. O teatro é essencial para o ator? É essencial. Sem palco você não é ator. O palco é um todo, uma presença, uma voz, um jeito, uma luz. Acho que exagerei um pouco, mas é por aí. Então, o que estar na TV representa na sua carreira? Sou muito grato por ter, no passado, feito na televisão todas as peças que fiz. Estar em novela faz parte. Não posso dizer ''ah, não vou fazer''. O hiato é você estar na televisão e querer segurar o sucesso para levar ao palco do teatro. Não vai ser a mesma coisa. Às vezes, você faz uma novela e tem um sucesso absurdo. Eu fiz uma em que eu era um mordomo (Alfred, de ''Senhora do Destino'', em 2004). Agora, esse personagem, o Seu Ladir. Entupiram o blog do programa de mensagens perguntando quando ele vai voltar. Calma, eu vou voltar! É prazeroso, porque é uma coisa que eu nunca fiz na TV: criar um tipo. Ele não é travesti, só trabalhou numa boate dublando as maiores vozes, como Judi Garland. Tem gente que vê e pensa ''mas é mesmo o Ítalo Rossi?'' Sim, sua escalação para o papel não foi nada óbvia. Em outubro, o Miguel Falabella (autor e ator do programa) me dizia: ''Estou escrevendo um personagem para você. Se você não fizer, não vai ter personagem.'' Tive um grande apoio, porque o programa já estava no ar, e só se falava neste Seu Ladir. Agora, tem ''sorvete mara'', ''sanduíche mara'', ''ponto de encontro mara'' - deu uma enlouquecida nesse sentido. Antes do Seu Ladir, você já havia vivido homossexuais no teatro, nos anos 70. Acha que mudou a maneira como a dramaturgia retrata o homossexual? Não sei. Mas enquanto você tem o casamento gay e essa parada que reúne 4 milhões de pessoas, acho que não é questão de ser a favor ou contra, é de olhar o que está acontecendo. Em que ano seria possível uma parada como essa? Ou o sistema público pagar por cirurgias de mudança de sexo? Houve a bomba atômica, as geleiras estão derretendo, o Obama será presidente. A mudança está acontecendo. E a gente tem de estar a par. Se a sua filha brinca dizendo ''isso é mara'', é porque ela se interessou, sem se preocupar se o Ladir é ou não é. Por falar nisso, acompanhou a polêmica sobre o beijo gay que não aconteceu na novela Duas Caras? Você acha que, por acaso, a hipocrisia, o orgulho, o mau-caratismo e o preconceito vão diminuir se mostrarem o beijo gay na televisão? Não. Então, se não houve o beijo, mas está insinuado esse beijo, pronto. As pessoas já ganharam elementos para saber que houve o beijo entre aqueles personagens. Por que estão esperando o beijo? Não é assim, minha gente! Tem de ser inteligente, e perceber que ali havia amor. RADIOGRAFIA DE UMA TRAJETÓRIA MUITO APLAUDIDA TEATRO: A Casa de Chá do Luar de Agosto (1956, dir. Maurice Vaneau); O Mambembe (1959, dir.Gianni Ratto); Os Amantes e A Coleção, de Harold Pinter (1966, dir. Flávio Rangel); Brasileiro, Profissão Esperança (1970, dir. Bibi Ferreira); Dorotéia Vai à Guerra (1972, dir. Paulo José); O Santo Inquérito, de Dias Gomes (1976, dir. Flávio Rangel); Quatro Vezes Beckett (1985, dir. Gerald Thomas); Encontro com Fernando Pessoa (1986, dir. Walmor Chagas); Encontro de Descartes e Pascal (1987, dir. Jean-Pierre Miquel); Comunicação a uma Academia, de Franz Kafka (1994, dir. Moacyr Góes); O Doente Imaginário (1996, dir. Moacyr Góes); Alta Sociedade (2000, dir. Mauro Rasi) TELEVISÃO: Grande Teatro Tupi (mais de 300 peças, 1951); Vitória (1964); Jerônimo, O Herói do Sertão (1972); Bravo! (1975); A Escrava Isaura (1976); Que Rei Sou Eu? (1989); Engraçadinha (1995); Senhora do Destino (2004); Belíssima (2005) CINEMA: Uma Vida Para Dois (1953); Society em Baby-Doll (1964); Doida Demais (1989); Chão de Estrelas (1993); A Grande Noitada (1997); Sexo Com Amor? (2008) PRÊMIOS: 1956 (ABTC, ator revelação); 1959 (ABTC, melhor ator); 1975, 85, 86 e 87 (Molière, melhor ator); 1989 (Festival de Gramado, melhor ator coadjuvante)

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