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Criando com recursos de cinema

Mostra propõe a relação entre as artes plásticas e os artifícios cinematográficos

Por Camila Molina
Atualização:

A projeção de uma seqüência de fotogramas sobre uma tela é um princípio básico da exibição cinematográfica - na sala de cinema, afinal, o espectador paga o seu ingresso para adentrar naquele território de imagens e narrativas projetadas. Desse artifício elementar cinematográfico se utiliza o artista inglês Anthony McCall na instalação You and I, Horizontal III, da série - Solid Light Films (Filmes de Luz Sólida), iniciada em 1973: levando ao extremo e ao mesmo tempo simplificando esse princípio, ele cria o território de sua sala expositiva, toda escura, apenas com projeções de uma luz azul. Sem chão e no espaço da contemplação, o visitante parece adentrar em outra dimensão e só lentamente vai percebendo que aquele "volume luminoso" desenha, aos poucos, a imagem de linhas na parede. Narrativa sensorial e poética, afinal, a obra de McCall é um dos destaques da mostra Cinema Sim, em cartaz no Itaú Cultural. A provocação da exposição Cinema Sim - Narrativas e Projeções, como diz seu curador, Roberto Cruz, gerente do Núcleo de Audiovisual da instituição, é a de que o visitante leve o seu repertório de obras cinematográficas na cabeça para, no ambiente das artes visuais, "pensar o cinema de uma outra forma" - e vice-versa também. "As obras reunidas têm um discurso experimental e ambíguo, mais confortável de se ver no ambiente das artes plásticas", diz Cruz. Já faz tempo que não existem mais fronteiras entre cinema e o vídeo, mas os trabalhos com "jogos de projeção", no espaço museográfico, ganham outro patamar tanto de exibição quanto fruição para o espectador. Nesse sentido, vale a pena frisar que, na mostra, não se trata de o cinema ser o suporte de criação de artistas plásticos. O que ocorre é um hibridismo de linguagens e de questões para se potencializar poéticas. "Evitei a abordagem política e social. A escolha se deu por trabalhos do campo sensorial, para a experiência visual", afirma o curador. A mostra reúne 18 trabalhos de 11 artistas , quase todos estrangeiros - de brasileiros estão apenas Rosangela Rennó (com a série Frutos Estranhos, feitas com fotos) e Milton Marques (representado por três trabalhos de sua inteligente criação a partir da tecnologia simples da gambiarra). Cinema Sim dá devido espaço, com respiro, para cada uma das obras, instaladas em três andares do prédio não por meio de núcleos temáticos, mas de aproximações que levam em conta três aspectos destacados pelo curador, a questão da narrativa; o imaginário cinético e as máquinas de projeção. Dentro do viés extremamente poético, além da bela instalação de McCall, vale destacar a as obras do suíço Peter Fischer. Ele está representado por duas máquinas de projeção, Repellus (1998-2008) e I Fly II (2006), que devem ser acionadas pelo visitante para funcionar. A primeira é uma engenhoca que parece uma metamorfose do ready-made Roda de Bicicleta de Duchamp - mas dela uma chuva de gotas de vidro é o suporte para a projeção de uma imagem fugidia e mágica - na outra, isso acontece sobre o vapor. No campo das narrativas, a construção de um enredo pela simultaneidade de pontos de vistas está em obras como a do japonês Hiraki Sawa, do coreano Yong-Seok Oh e de Julian Rosefeldt (já exibida na 26ª Bienal de São Paulo). Mas o destaque nesse tipo de construção é 89 Seconds at Alcázar, da inglesa Eve Sussman. Em seu vídeo ela cria uma ficção sobre o que seria o antes e o depois da cena da tela As Meninas (1656), de Velázquez, dialogando com a revolução promovida séculos atrás pelo pintor que colocou o espectador dentro da pintura. Serviço Cinema Sim - Narrativas e Projeções. Itaú Cultural. Av. Paulista, 149, 2168-1776. 3.ª a 6.ª, 10 h/21 h (sáb. e dom. até 19 h). Grátis. Até 21/12

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