Conversa de violinos

Dois dos mais premiados e talentosos artistas atuais, os violinistas americanos Hilary Hahn e Joshua Bell falam ao Estado sobre turnês pelo Brasil, carreiras e os desafios enfrentados pela nova geração de virtuoses

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Por João Luiz Sampaio
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Os dois tinham 4 anos quando pegaram em um violino pela primeira vez; apesar da diferença de alguns anos, pertencem à mesma geração; ele cresceu em uma fazenda em Indiana; ela, na paisagem urbana de Baltimore; iniciaram a carreira na adolescência, tomando de assalto a vida musical americana; logo assinaram contratos com gravadoras, aos quais se seguiram discos que estão entre os mais vendidos do mercado de clássicos. Na série de coincidências, ficou faltando uma: os violinistas Hilary Hahn e Joshua Bell desembarcam na semana que vem no Brasil para uma série de recitais e concertos. Hilary toca terça e quarta obras de Ysaye, Ives, Brahms e Bartok, acompanhada pela pianista Valentina Lisitsia, na Sala São Paulo, pela Sociedade de Cultura Artística. Já Bell inicia a turnê brasileira no Rio, sexta e sábado, tocando o concerto de Max Bruch com a Sinfônica Brasileira (regência de Roberto Minczuk); no domingo, orquestra e solista pegam a ponte aérea e repetem o programa na Sala São Paulo; em seguida, na segunda e na terça, ele faz recital com o pianista Frederic Chiu, agora pelo Mozarteum Brasileiro. No programa, obras de Beethoven, Brahms, Ysaye e Franck. Chama a atenção, de cara, a presença de obras do belga Eugene Ysaye, tão pouco tocado por aqui. Não é por acaso. Aos 10 anos, Bell ainda considerava a possibilidade de ser tenista profissional, até que conheceu Josef Gingold, que o orientou na Universidade de Indiana. Impacto parecido teve para Hilary a orientação do lendário Jascha Brodsky, no Curtis Institute of Music. Gingold e Brodsky, por sua vez, foram alunos de Ysaye, grande nome do violino na primeira metade do século 20. "Ysaye tornou-se uma espécie de herói para mim", diz Bell ao Estado. "Foi o maior violinista de todos os tempos, suas seis sonatas-solo são parada obrigatória para qualquer intérprete", continua. "Tem épocas nas quais sempre que pego o violino tenho uma vontade irresistível de tocar uma de suas sonatas", diz Hilary. "Sua devoção ao instrumento sempre me fascinou. E fico feliz de poder tocar suas obras para novos públicos." Mas chega de semelhanças. O fato é que, apesar do caminho parecido, Bell e Hilary são artistas bastante diferentes, dentro e fora do palco. A carreira de Bell está baseada na interpretação dos grandes clássicos escritos para o violino, além da ligação com o cinema, tendo participado de trilhas de compositores como o americano John Corigliano, que escreveu a música de O Violino Vermelho, de François Girard (a trilha acabou dando origem a um concerto para violino, cuja gravação, com Bell e a Sinfônica de Baltimore, está sendo lançada em edição nacional pela Sony Classical). Hilary, por sua vez, tem uma discografia pautada pelo diálogo entre compositores. Seu último álbum, que lhe rendeu o Grammy em 2008, além da escolha de artista do ano pela revista inglesa Gramophone, unia concertos de Schoenberg e Sibelius, "peças de caráter complementar, duas visões diferentes para uma mesma sensação", explica. Fora do palco, Bell já recebeu condecorações do governo americano, é membro de comitês dedicados à discussão da cultura de seu país. Hilary segue em direção contrária. "Não acredito que um músico deva colocar-se sempre publicamente sobre questões políticas, por exemplo. Não é isso que vai inserir a música clássica no contexto mais amplo da sociedade. Como intérprete, o que me fascina e motiva é o trabalho com a música em si, sem preconceitos, mostrando tudo o que ela pode oferecer às pessoas", diz. Em seu site, ela mantém um blog sobre suas impressões a respeito da vida e da música; no melhor estilo de adolescência virtual, seus comentários são sempre introspectivos e bastante pessoais, motivados por eventos tão díspares quanto a reação do público a um de seus concertos ou o salto gasto de um sapato, que exige "conserto urgente". Tanto Bell quanto Hilary, no entanto, recusam rótulos. Reconhecem uma tônica em suas atuações, mas defendem a importância de não se deixar levar por caracterizações que "reduzam as possibilidades expressivas", nas palavras dela, de um intérprete. "Não há categorização que não seja limitante", afirma Bell, de 40 anos recém-completados. "Quando ouço alguém dizendo que sou bom em determinado repertório, não fico feliz porque não é esse o caminho que sigo em minhas escolhas. Procuro peças que falem de alguma maneira comigo, com as quais me identifico. Eu toco Corigliano, por exemplo, não porque acho que devo interpretar autores vivos, mas, sim, porque sua música me atrai em sua combinação de lógica e estrutura com uma inspiração melódica bastante especial." Hilary pensa parecido. "Como artista, aprecio minha liberdade, a possibilidade de fazer aquilo que bem entendo, aquilo que minha intuição sugere. É claro que existe uma tradição, seja no que diz respeito a repertório quanto à própria formação de um artista, seus professores, etc. Mas tão importante quanto de onde viemos é para onde escolhemos ir. Você me perguntou agora há pouco sobre a maneira como vejo os compositores americanos dos dias atuais. Entendo que existe uma questão ampla e comum, que é o fato de que são artistas não-europeus reinventando uma arte que nasceu e se desenvolveu na Europa. Mas, se você olha a obra de autores como Barber ou Bernstein, o que chama a atenção é a individualidade de cada um. Eles podem ter vindo de uma tradição comum, mas seguiram caminhos que tinham a ver com o que eles eram acima de tudo", diz Hilary, às vésperas de completar 30 anos. Bell concorda: "Barber é um autor americano, sim, mas sua música tem muito em comum com Schumann ou Brahms, por exemplo. Como fazer então? Melhor seria, acredito, pensar nele como indivíduo e não como representante de uma cultura." Serviço Hilary Hahn - Sala São Paulo (1.484 lugs.). Pr. Júlio Prestes, s/n.º, 3258-3344. Dias 16 e 17, 21 h. R$ 70 a R$ 150 Joshua Bell - Sala São Paulo (1.484 lugs.). Dia 21, 17 h. R$ 35 a R$ 110. Vendas 4003-1212 Teatro Alfa (1.118 lugs.). R. Bento Br. de Andrade Filho, 722, 3815-6377. Dias 22 e 23, 21 h. R$ 50 a R$ 140. Vendas 5693-4000, 0300-7893377 ou 4003-1212

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